Simulador de pensões: o que sabe realmente sobre a sua?

O novo simulador é um avanço, mas não ajuda estas gerações a compreender o que é que isso pode significar, em concreto, para a sua situação.

Recentemente foi disponibilizado no site da Segurança Social um novo simulador para calcular a sua pensão futura, ou seja, uma estimativa da pensão que terá quando chegar à idade de reforma. No meu caso, pensei que ia ser desta que ia abrir um Plano Poupança Reforma (PPR), depois de ver o que me esperava. Mas como o número de anos de salários que tenho registados no sistema da Segurança Social é reduzido (atendendo à minha idade), e como não se prevê que me vá reformar antes de 2028, não me é permitido fazer a simulação. Segundo a interpretação oficial, ainda é cedo para pensar nisso.

Ainda assim, este é um poderoso instrumento para ajudar as pessoas que já estão perto da decisão de se reformarem, que podem assim considerar mais facilmente as bonificações e penalizações aplicáveis. Esta medida está enquadrada na estratégia de modernização da Administração Pública (Simplex 2017+), e pretende tornar a Segurança Social mais simples e transparente. Sendo importante reconhecer o valor que este instrumento acarreta, não consigo deixar de perguntar: a transparência da Segurança Social só é relevante para quem é reformado ou se vai reformar em breve?

Se não é, se a relação de todos com a Segurança Social é tão importante no primeiro ano de contribuições como no último, então aumentar realmente a transparência da Segurança Social passa por fornecer a todos informação o mais completa possível sobre o seu histórico contributivo e sobre as perspetivas de benefícios a que têm direito de acordo com a legislação relevante. Nesse sentido, a disponibilização à comunidade científica de microdados sobre pensões e salários, em formato que possa ser livremente trabalhado (dentro das habituais regras de confidencialidade e anonimato), poderia ser decisiva. Tal permitiria um conhecimento muito mais aprofundado e rigoroso da realidade portuguesa – uma ideia que é também partilhada pelo Conselho de Finanças Públicas, que se viu na obrigação de emitir uma declaração de incumprimento por parte do Instituto de Informática da Segurança Social, por falta de prestação de informação em tempo oportuno.

É importante que os portugueses tenham consciência e acesso aos valores das suas reformas, mas é igualmente importante perceber os critérios e considerações por detrás do cálculo das mesmas. O sistema de Segurança Social abrange uma multiplicidade de pensões, transferências, receitas, despesas, benefícios e rendimentos que se enquadram no sistema de pensões de velhice – que têm como objetivo proporcionar ao cidadão um rendimento após ultrapassar o limiar da sua vida profissionalmente ativa. Este sistema assenta em três pilares fundamentais: um sistema público obrigatório (contributivo e não contributivo), um sistema privado obrigatório (complementar de iniciativa privada), e um sistema privado facultativo (complementar de iniciativa individual). O primeiro pilar é o mais importante, baseando-se em esquemas organizados e geridos pelo Estado, onde consta o sistema contributivo que origina as pensões contributivas (prevalecendo o financiamento de repartição), e o sistema não contributivo, associado às pensões universais (financiadas por impostos). O segundo pilar apresenta-se como um esquema ocupacional, relacionado com a empresa ou setor de atividade onde o trabalhador esteve envolvido (Caixas de Previdência dos Jornalistas, Advogados, etc). O terceiro pilar é de gestão privada, baseando-se em regimes de capitalização associados a um PPR. As reformas propostas, até em programas eleitorais, sobre a introdução de uma estrutura multi-pilar nas pensões, são algo erróneas, já que tudo isto já existe. Trata-se antes de reforçar os segundo e terceiro pilares. 

Mas porque é que somos obrigados a fazer descontos para a Segurança Social? A racionalidade básica de um sistema de pensões assenta na combinação de dois aspetos: o risco de longevidade (acentuado pelo contínuo aumento da esperança média de vida), e a miopia dos contribuintes quanto às necessidades de consumo futuras (é difícil pensar quanto necessitamos de poupar desde o início da atividade profissional para manter o nível de consumo e vida daqui a 40 anos – nem o simulador oficial nos permite pensar nisso!). Estes sistemas requisitam então uma poupança forçada aos indivíduos por forma a proporcionar-lhes um rendimento fixo após o final da vida profissionalmente ativa, e são importantes não só pelo número de beneficiários envolvidos (cerca de 2 milhões de pensionistas), como pelo peso que a despesa associada representa/representará no PIB (13,6% em 2020). A sua função passa não só por contribuir para melhor distribuir os rendimentos dos indivíduos ao longo do ciclo de vida, mas também para estabilizar o rendimento disponível, podendo ainda ter um papel de redução das desigualdades sociais.

As contribuições são mensalmente arrecadadas através de uma taxa global obrigatória, a Taxa Social Única, sendo estas contribuições que determinam posteriormente o cálculo das pensões de reforma a atribuir aos subscritores. A fórmula de cálculo tem em consideração fatores como a remuneração de referência, a taxa global de formação e, mais recentemente, o fator de sustentabilidade. E apresenta uma forma de cálculo bastante clara: idade mínima de reforma aos 66 anos (sem considerar aqui o fator de sustentabilidade – que tem adicionado um mês por cada ano), 40 anos como referência de carreira contributiva completa, e montante da pensão calculado a partir da média do salário ao longo da carreira (segundo as taxas de formação degressivas, que variam entre os 2,3% e os 2% ao ano). Tal permite assegurar uma pensão estimada pelo menos na ordem dos 80% do salário médio – sendo que os pensionistas do regime contributivo geral da Segurança Social recebem, em média, pensões três vezes mais baixas do que os pensionistas da Caixa Geral de Aposentações, segundo dados do FMI.

No entanto, no médio e longo prazo, uma taxa de substituição de 80% poderá já não ser uma realidade. Se isso corresponde a uma situação justa entre as gerações ou não, é toda uma outra questão que terá de ficar para outro artigo. E que terá uma resposta mais adequada quando saírem os dados do Ageing Report da Comissão Europeia referentes a 2018, o que deverá estar prestes a acontecer. Facto é que as avaliações já disponíveis realizadas por instituições internacionais apontam para uma situação bastante mais favorável, globalmente, para as gerações atualmente pensionistas ou em final de carreira, comparativamente às gerações ainda longe da reforma. O novo simulador é um avanço, mas não ajuda estas gerações a compreender o que é que isso pode significar, em concreto, para a sua situação.

 

O IPP Policy Paper 11 (“O atual sistema público de pensões em Portugal”), disponível gratuitamente em ipp-jcs.org, e que se enquadra no âmbito do Projeto “Um sistema de pensões para o futuro”, com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian, explora estas questões em maior detalhe.

 

O Institute of Public Policy (IPP) é um think tank académico, independente e apartidário. As opiniões aqui expressas vinculam somente os autores e não refletem necessariamente as posições do IPP, da Fundação Calouste Gulbenkian, da Universidade de Lisboa ou de qualquer outra instituição.

Sugerir correcção
Ler 1 comentários