Os dias terríveis de Eduardo Cabrita

Desde que o ministro chegou ao Ministério da Administração Interna que se nota que ali voltou a morar a política.

Ainda não começou a época quente e Eduardo Cabrita já vive dias intensos, provavelmente os mais intensos desde que tomou posse como ministro da Administração Interna. Quando sucedeu, em Outubro, a Constança Urbano de Sousa já os incêndios estavam extintos e os mortos contados. Já Marcelo Rebelo de Sousa tinha feito o seu mais duro discurso sobre “um novo ciclo que inevitavelmente” obrigaria “o Governo a ponderar o quê, quem, como e quando serve este ciclo”.

Agora, a dias do período mais perigoso de fogos, a pressão aumenta. Sobre Eduardo Cabrita, que tutela o combate e a prevenção aos incêndios, e sobre António Costa, que é o responsável máximo pelo Governo. Dois políticos do mais político que há.

Desde que Cabrita chegou ao Ministério da Administração Interna que se nota que ali voltou a morar a política, o que é fundamental para gerir crises de imagem, de projecção e de confiança nas instituições, mas insuficiente para solucionar problemas técnicos e práticos como aqueles com que o país se debate. Foram respostas políticas e não sobre políticas as que o governante deu na comissão parlamentar em que foi ouvido, na terça-feira. Foi também político o comentário de António Costa, no dia a seguir, sobre o assunto: "São as dificuldades de uma ambição excessiva."

Mas os problemas são muitos e já ninguém se cala sobre eles. É o comandante do Grupo de Intervenção de Protecção e Socorro (GIPS) que se queixa de faltarem fatos, telemóveis, carros ou luvas para atacar os incêndios – fiquei verdadeiramente impressionada com a descrição da falta de luvas. É o relatório interno da Protecção Civil que expõe fragilidades da recolha e do registo de dados no teatro das operações – em Pedrógão como noutros fogos. É o Parlamento que faz perguntas sobre escolas profissionais de técnicos florestais que não têm financiamento para abrir as portas. É o comandante nacional da Protecção Civil que se demite. São os meios aéreos que continuam em terra. É o Tribunal de Contas que não dá vazão aos pedidos do ministério, queixa-se o ministro. E os deputados que querem saber mais sobre tudo.

Tudo isto e ainda sem referir a pressão presidencial, sempre exercida com a subtileza de quem está a afirmar uma coisa publicamente pela primeira vez e com o requinte de quem diz que é só “revisão da matéria dada”. “Voltasse a correr mal o que correu mal no ano passado, nos anos que vão até ao fim do meu mandato, isso seria, só por si, impeditivo de uma recandidatura”, assumiu Marcelo, em entrevista ao PÚBLICO e à Renascença na semana mais terrível de Eduardo Cabrita à frente do Ministério da Administração Interna.

Não sou uma amante de poemas. Sobretudo se rimam. Tive mais prazer a ler Ryszard Kapuscinski do que Fernando Pessoa (só para não falar de Camões). Diverti-me tanto com o Calisto Elói do Camilo Castelo Branco como sofri com o Rodion Raskólnikov do Fiodor Dostoievski. Os clássicos da prosa comovem-me mais do que os da poesia. Não gosto daquela obrigação de pôr as palavras num sítio específico por causa do seu som.

Há arte na prosa. As palavras também são todas escolhidas a dedo e uma não podia estar no lugar da outra. Os discursos políticos estão aí para o demonstrar. Alguém duvida que Marcelo Rebelo de Sousa disse exactamente aquilo que queria dizer na sua entrevista mais recente? Que escolheu as palavras exactas quando assumiu que (só) uma nova tragédia como a dos incêndios impediria a sua recandidatura? Que queria mesmo dizer ao primeiro-ministro que há histórias que não se podem repetir?

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