A maior favela de São Paulo vai ter um banco e uma moeda

Paraisópolis tem cerca de 8000 lojas e 100 mil moradores. Iniciativa serve para dinamizar o comércio local e disponibilizar fundos à população.

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Paraisópolis é a maior favela de São Paulo com cerca de 100 mil habitantes Reuters/NACHO DOCE

A maior favela de São Paulo, Paraisópolis, vai ter em breve um banco e uma moeda própria. A gestão vai pertencer à população local, segundo a BBC Brasil.

O banco, que se vai chamar Banco de Paraisópolis, será administrado pela associação de moradores e comerciantes locais num sistema de autogestão e vai disponibilizar contas-correntes, cartões de crédito e uma aplicação móvel, assim como microcréditos com juros mais baixos. Mais de 6000 pessoas utilizam um cartão de crédito desta instituição exclusiva para membros da comunidade. A moeda, com o nome de Nova Paraisópolis, irá circular apenas dentro da favela e deverá ser impressa. 

"A nossa ideia é que as pessoas tenham uma conta, possam fazer levantamentos e pequenos empréstimos", disse à BBC Brasil Gilson Rodrigues, presidente da União de Moradores e Comerciantes da região. Esta associação, que está à frente do projecto, vai realizar um jantar de beneficiência para apoiar a iniciativa. O dinheiro arrecadado vai para um fundo que financiará as acções do banco. Quando o banco conceder um empréstimo inicial, o dinheiro será retirado desse fundo e, assim que a dívida for paga, o montante fica disponível para outras pessoas.

Quanto aos juros e taxas, serão revertidos para causas comunitárias, além dos 32 projectos sociais – entre os quais uma orquestra de jovens, um grupo de dança e um bistrô (pequeno restaurante) – que a associação de moradores da favela apoia. Para além disso, os clientes do banco terão descontos na rede credenciada de comércio local e formações de empreendedorismo para desenvolverem os seus próprios negócios.

"O nosso objectivo não é ganhar dinheiro, não é gerar lucro, mas investir no desenvolvimento da comunidade, no comércio e no consumo local, gerando empregos", acrescenta Gilson à mesma estação de notícias. Porém, apesar do apoio financeiro, Paraisópolis continua a sofrer dos mesmos problemas de uma grande parte das favelas no Brasil, como a pobreza extrema, a falta de saneamento básico ou a falta de casas.

Apesar de ser o primeiro banco comunitário no oeste de São Paulo, existem outras 103 instituições no país que operam, de forma independente, à margem dos grandes bancos. Estas instituições financeiras geraram 40 milhões de reais (quase dez milhões de euros) entre 2016 e o final de 2017, segundo dados da Rede Brasileira de Bancos Comunitários, citados pela BBC Brasil.

O primeiro banco comunitário do Brasil foi o Banco Palmas. Criado em 1998, na favela de Palmeiras, em Fortaleza, surgiu depois de a associação de moradores ter tido conhecimento da pobreza extrema que assolava a população daquela região. "A pergunta que mudou a nossa vida foi: por que somos pobres?", explicou Joaquim de Melo Neto, um  dos criadores do Banco Palmas. "Percebemos que as pessoas gastavam o dinheiro fora da comunidade, comprando produtos que não geravam dinheiro nem emprego para nós. Como éramos ambiciosos, montámos um banco para financiar os comerciantes dentro da comunidade", descreve.

O sucesso imediato fez com que os moradores fossem processados pelo Banco Central do Brasil, que os acusava de falsificarem dinheiro. O Palmas ganhou a disputa judicial em 2005 e o banco central acabou por reconhecer a existência de instituições financeiras comunitárias. Hoje em dia, os bancos comunitários estão sob tutela da Secretaria Nacional de Economia Solidária – que pertence ao Ministério do Trabalho e Emprego –, criada, em 2003, pelo antigo Presidente Lula da Silva. 

Outros exemplos de bancos comunitários são o Olhos D’água, na cidade de Igaci (com 25 mil habitantes), no estado de Alagoas, que já financiou 150 projectos de comércio local e agricultura familiar desde o ano de nascimento, 2016; ou o banco Mumbuca, em Maricá, no Rio de Janeiro, onde circula, desde 2014, a primeira moeda social electrónica do país – em cartão –, o mumbuca. Este último tem, actualmente, cerca de 16 mil clientes e é conhecido por financiar iniciativas locais com juros zero, o que significa que não tem lucros com a actividade.

"O comerciante paga uma taxa para usar os nossos serviços, mas ela volta para a comunidade em forma de cursos e oficinas de empreendedorismo", explicou à BBC Brasil Natalia Sciammarella, subcoordenadora de gestão do Mumbuca. "As pessoas sabem que, usando o nosso banco, elas movimentam a economia da cidade, gerando emprego", acrescentou.

De acordo com dados de 2013, pelo menos 47% dos moradores das favelas brasileiras ainda não possuíam acesso a serviços básicos oferecidos pelo sistema financeiro, segundo um estudo do Instituto Data Popular citado pelo jornal Brasil Económico.

Os grandes bancos também abriram sucursais nas favelas 

De uma forma simples, o modelo de microcrédito caracteriza-se pelo empréstimo de pequenas quantias a um público restrito, normalmente de baixo rendimento, pequenos comerciantes ou pessoas sem acesso ao sistema financeiro tradicional, os chamados "não-bancarizados".

Porém, o microcrédito não é apenas concedido por bancos comunitários. Grandes entidades financeiras como o Banco do Brasil, o Bradesco ou o Santander viram-se atraídas pelo potencial financeiro das favelas, especialmente em zonas já pacificadas. Abriram sucursais nas favelas, com cartões de crédito, benefícios sociais e até seguros de vida contra as chamadas "balas perdidas", de acordo com o jornal espanhol El País.

Em 2010, o Banco do Brasil abriu filial em Paraisópolis, São Paulo. Em 2011, abriu também sucursais na Cidade de Deus e no Complexo do Alemão, Rio de Janeiro. "Coerente com a estratégia de estar em todos os municípios brasileiros e lugares sem assistência bancária, o Banco do Brasil ampliou a sua presença nas comunidades, contribuindo para a inclusão bancária e o desenvolvimento da economia local", lê-se no site do banco.

O Complexo do Alemão é considerado um dos bairros mais perigosos do Brasil devido à violência causada pelas redes de narcotráfico. O Santander terá sido "o primeiro banco a entrar no Complexo do Alemão antes da pacificação", de acordo com Pedro Coutinho, vice-presidente executivo da rede comercial do Santander Brasil, citado pelo jornal El Cronista.

"A chegada do banco (em 2011) serviu para que se abram outro tipo de comércios na zona, algo inexistente até agora, já que todas as transacções comerciais estavam controladas pelos narcotraficantes", esclareceu, à data, o jornal espanhol El Mundo.

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