Síria: da impossibilidade de ficar em cima do muro

A guerra na Síria não é “civil”. É uma guerra de agressão externa que visa agredir a soberania e os direitos do povo sírio.

Poucas horas depois do bombardeamento da Síria perpetrado pelos EUA, França e Reino Unido, a agência de notícias Associated Press (AP) dava conta de que após os ataques, centenas de sírios começaram a reunir-se na histórica Praça Omayyad em Damasco, agitando bandeiras sírias, russas e iranianas, desafiando os agressores e gritando “nós somos os teus homens, Bashar”.

Vários órgãos de comunicação social, reproduzindo a notícia da Lusa que cita como fonte a informação da AP, decidiram titular “Centenas de sírios festejam em Damasco na sequência dos ataques”. Na notícia pode ler-se, fruto de uma transcrição criativa da nota da AP, que as centenas de sírios da Praça Omayyad estavam “acenando bandeiras e buzinando em sinal de vitória, festejando os ataques aéreos dos Estados Unidos, França e Reino Unido”.

O episódio, que encontrará paralelo em tantos outros, aquém e além fronteiras, lembra-nos que guerras de agressão como a que há mais de sete anos vem sendo dirigida contra a Síria não se travam apenas no plano militar. A propaganda, a fabricação de “factos”, a mentira deliberada, são parte da máquina de guerra, sobretudo quando se trata de legitimar aos olhos da opinião pública actos de agressão contrários ao direito internacional, dissimulando os seus inconfessados propósitos.

O que têm em comum as “armas de destruição massiva no Iraque”, os “bombardeamentos de Kadafi sobre o povo líbio” ou o “genocídio praticado por Milosevic na ex-Jugoslávia”? Pois bem, em qualquer dos casos, o correr dos anos e os factos entretanto revelados demonstraram que se tratavam de comprovadas fabricações para encobrir actos de agressão contra estes países.

Uma particularidade digna de registo: os agressores de então são os mesmos que agora invocam um alegado “ataque com armas químicas”, da suposta responsabilidade do governo sírio, para sustentar o bombardeamento da Síria.

Voltam a surgir as referências a alegadas, mas nunca apresentadas, “provas”. A versão de Trump, May e Macron é ampliada e difundida pelo mundo, apresentada como factual, sem questionamento e sem o mínimo distanciamento crítico, que, quanto mais não fosse, o mencionado historial aconselharia. Que o digam os sucessivos e muito elucidativos votos e resoluções apresentados na Assembleia da República sobre o tema.

Disse esta semana Theresa May no Parlamento britânico, perante ataques de várias bancadas parlamentares à posição que tomou, que a sua “convicção” na existência do ataque com armas químicas e na responsabilidade do governo sírio vale mais do que a investigação que a Organização para a Proibição de Armas Químicas (OPCW, em inglês) estava prestes a iniciar no terreno. Foi também na base da sua “convicção” que o caso “Skripal” teve os desenvolvimentos que se conhecem, mesmo tendo os resultados laboratoriais conhecidos desmentido a “convicção”.

As autoridades sírias, que sempre rejeitaram qualquer responsabilidade na utilização das ditas armas químicas, disponibilizaram-se para contribuir para o cabal esclarecimento do que efectivamente se passou, facultando o acesso ao terreno dos peritos internacionais. Mas, obviamente, não era isso o que pretendiam os que bombardearam a Síria.

Nikki Haley, embaixadora dos EUA nas Nações Unidas, veio dizer que os EUA não sairão da Síria, onde têm ilegalmente milhares de militares e outros tantos mercenários, “sem que os objectivos da sua presença sejam alcançados”. São estes “objectivos” que justificam e alimentam a guerra na Síria. Objectivos que passam por planos, há muito conhecidos, de redesenho do Médio Oriente e que exigem o derrube dos governos que não se submetam. Objectivos que ditaram uma estratégia de criação, financiamento, treino e armamento, com o apoio das monarquias do Golfo, de bandos terroristas com a missão de operar a “mudança de regime”. Terroristas que, sendo responsabilizados por atentados na Europa, são relativamente à Síria designados de “rebeldes”.

A guerra na Síria não é “civil”. É uma guerra de agressão externa, que visa destruir ou fragmentar a Síria e agredir a soberania e os direitos do povo sírio, incluindo o seu direito a decidir, sem ingerências externas, o seu futuro, para assim melhor controlar os enormes recursos da Síria e do Médio Oriente.

Perante uma agressão imperialista não é possível ficar em cima do muro: ou se denuncia e condena a agressão ou se é cúmplice dela e das suas consequências.

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