Trump terá sugerido prender jornalistas para descobrir fugas de informação

Conversas entre o Presidente norte-americano e o então director do FBI, James Comey, revelam também que algumas partes do polémico dossier do ex-espião Christopher Steele foi corroborado por outras agências de serviços secretos.

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Trump com James Comey, em Janeiro do ano passado Joshua Roberts

Ao longo dos meses em que conviveu com o Presidente Donald Trump, no início do ano passado, o então director do FBI, James Comey, registou os pormenores das conversas entre ambos num bloco de apontamentos – depois de ter sido despedido, em Maio, Comey disse que tinha feito isso porque receava que o Presidente tentasse obstruir as investigações sobre as suspeitas de conspiração com a Rússia para prejudicar a campanha eleitoral de Hillary Clinton.

Assim que foi despedido pelo Presidente Trump, James Comey entregou esses apontamentos a um amigo, que depois fez chegar algumas das frases mais bombásticas aos jornais. Numa dessas conversas, Comey diz que Trump lhe pediu para "deixar cair" a investigação que estava em curso no FBI sobre as possíveis ligações entre o então conselheiro de Segurança Nacional, Michael Flynn, e o Governo russo – um pedido que o Trump continua a dizer que não fez.

Quase um ano depois dessas revelações, e após várias pressões por parte de congressistas do Partido Republicano, o Departamento de Justiça norte-americano divulgou, na madrugada desta sexta-feira, os apontamentos de James Comey, com várias passagens censuradas por questões de segurança. A divulgação acontece na semana em que Comey lançou o livro A Higher Loyalty, precisamente sobre a sua relação com o Presidente Trump.

Sem revelações bombásticas

Os documentos agora revelados não trazem nada de novo em relação ao essencial da questão – o Presidente Trump e o Partido Republicano dizem que os apontamentos até provam que não houve nenhuma tentativa de obstrução, e o Partido Democrata afirma que são a prova de que essa tentativa de obstrução existiu mesmo.

Num comunicado emitido pouco depois da divulgação dos apontamentos do ex-director do FBI, três congressistas do Partido Republicano que estiveram envolvidos na investigação da Câmara dos Representantes sobre a Rússia acusaram James Comey de apenas querer vingar-se do facto de ter sido despedido.

"Ele estava disposto a trabalhar para alguém que considerava ser moralmente incapaz para ocupar o cargo, capaz de mentir, de exigir uma lealdade pessoal, merecedor de ser destituído, e de partilhar traços com um chefe da máfia. O antigo director Comey estava disposto a fechar os olhos a todas estas características para manter o seu emprego. Aos olhos dele, o verdadeiro crime foi o seu despedimento", dizem os congressistas Bob Goodlatte, Trey Gowdy e Devin Nunes.

Do outro lado, a líder da minoria do Partido Democrata na Câmara dos Representantes, Nancy Pelosi, diz que os apontamentos divulgados esta semana revelam que o Presidente Trump tentou "intimidar, contornar a lei e minar a integridade das investigações", o que "requer uma acção imediata para proteger a investigação do procurador Mueller".

O Presidente Trump veio dizer, no Twitter, que os apontamentos de James Comey "mostram de forma clara que NÃO HOUVE CONLUIO e NÃO HOUVE OBSTRUÇÃO", terminando com a sua já célebre pergunta: "WOW! Será que a caça às bruxas vai continuar?"

Os apontamentos de James Comey nunca poderiam servir para confirmar ou negar uma tentativa de obstrução de Justiça – esse trabalho cabe ao procurador especial, Robert Mueller, e os apontamentos divulgados são apenas uma das peças do puzzle que os investigadores têm de reconstituir para provarem seja o que for.

Mais do que servirem de prova sobre se houve ou não uma tentativa de obstrução da Justiça (um crime que, em teoria, pode levar a um processo de destituição de um Presidente), os apontamentos de Comey servem para lançar uma luz sobre a forma como estas questões sensíveis foram tratadas nas conversas na Casa Branca.

Críticas a Michael Flynn

Numa das trocas de palavras que só agora chegou ao conhecimento público, o Presidente Trump questionou o discernimento do seu conselheiro de Segurança Nacional, Michael Flynn – o homem que estava a ser investigado pelo FBI por suspeitas de ligação à Rússia e que acabaria por ser afastado quando se provou que tinha discutido com o então embaixador russo em Washington o possível levantamento das sanções aplicadas à Rússia por Barack Obama.

"O tipo tem graves problemas de discernimento", disse Trump a Comey, dando um exemplo: quando um "importante líder mundial" telefonou para dar os parabéns a Trump, pouco depois da tomada de posse, Flynn terá agendado uma resposta para vários dias depois. Nessa altura, o jornal The New York Times noticiou que Trump tinha ficado furioso com um atraso no agradecimento ao Presidente russo, Vladimir Putin.

Putin e as prostitutas russas

Numa outra conversa, sobre um dossier em que o Presidente norte-americano surge como potencial alvo de chantagem por parte da Rússia por se ter encontrado num hotel com três prostitutas, em 2013, Trump afirmou que "isso é tudo um disparate". Ainda assim, frisou Trump, o Presidente Vladimir Putin disse-lhe que a Rússia "tem as prostitutas mais bonitas do mundo". Putin tinha feito esse comentário publicamente semanas antes, mas os apontamentos de James Comey indicam que Trump fez questão de dizer que o Presidente russo lhe tinha dito isso directamente. Pode ser uma questão relevante, porque Trump garante que não tinha uma relação pessoal com Putin antes de ter chegado à Casa Branca.

Até agora, as referências a esse dossier, feito pelo antigo espião britânico Christopher Steele, eram sempre acompanhadas pela ressalva de que as informações lá incluídas não tinham sido comprovadas. Mas os apontamentos de James Comey pintam um quadro diferente. "Expliquei-lhe que os analistas das três agências concordaram que era relevante, e que partes do material foram corroboradas por outras informações", disse Comey ao então chefe de gabinete da Casa Branca, Rince Priebus, que queria saber o que levara o director do FBI a revelar a existência desse dossier ao Presidente.

Jornalistas na cadeia

Mas a troca de palavras mais polémica nos apontamentos do ex-director do FBI é a que diz respeito à forma como o Presidente Trump gostaria de expor os responsáveis por fugas de informação.

"Eu disse que estava ansioso por descobrir os informadores e que gostava de pregar um na porta, para enviar uma mensagem", anotou James Comey. Em seguida, o Presidente norte-americano sugeriu um caminho ao então director do FBI: "Ele disse que talvez tivesse de passar por mandar jornalistas para a cadeia. 'Passam uns dias na cadeia, fazem um amigo novo, e ficam logo prontos para falar.' Eu ri-me enquanto me dirigia para a porta."

No final dessa conversa, segundo Comey, o Presidente Trump disse-lhe para falar com o prcurador-geral, Jeff Sessions, "para ver o que se pode fazer para se ser mais agressivo".

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