A montanha pariu um Bloco?

Se há pessoa que percebe pelo que Catarina Martins e Jerónimo de Sousa estão a passar é Paulo Portas.

Se há pessoa que percebe o que Catarina Martins e Jerónimo de Sousa estão a passar é Paulo Portas. Lá nos idos anos da troika, a luta era com outro ministro das Finanças, Vítor Gaspar. Havia, também nessa altura, linhas vermelhas traçadas em público. Havia deputados do CDS a protestar, reclamando que era preciso mudar os orçamentos, para que se tornassem menos pesados para os portugueses. 

A resposta, essa, era sempre igual. Paulo Portas poderá contar, por exemplo, como uma vez, num conselho de ministros, Gaspar fechou a reunião pedindo que cada um dos ministros enviassem para as Finanças ideias alternativas, que todos voltariam a discutir numa última sessão do conselho. Quando ela chegou, Gaspar explicou: as ideias não tinham sido incluídas, porque tinha acabado o prazo de entrega — os técnicos do ministério tinham de fechar as contas e não havia tempo para as refazer. Na verdade, Gaspar nunca mexia. Fingia, para a coreografia. 

Agora, o Gaspar é Centeno. Com a sorte de a Europa não estar em recessão, com a bênção de a devolução de rendimentos estar a sentir-se, com a vantagem de já ter acesso a financiamento. Mas com o azar de ser ministro das Finanças num país que ainda tem uma dívida insuportável, umas contas difíceis de gerir e um Estado a cair — fruto de muitos anos de desinvestimento. E Centeno, claro, faz como Gaspar: fixa os objectivos, traça as metas, não sai do rumo.

Catarina e Jerónimo estão, pois, como Paulo Portas. Cansados de Centeno, aumentam os protestos. E Centeno está como Gaspar, lembrando-nos como o pior já passou, mas como temos de fazer para que não volte.

No CDS, vimos como essa luta acabou: Portas demitiu-se, voltou atrás, assumindo um compromisso que se chama governação. A diferença para Catarina é que o Bloco ainda não chegou ao momento — mas está a ficar perto dele.

Na apresentação deste Programa de Estabilidade, Centeno empurrou o Bloco para uma decisão, tratando-o já como oposição e a sua alternativa como “pesadelo”. O Bloco respondeu com uma resolução que vai a votos, propondo um défice maior e que se usem os 800 milhões de “sobra” nos serviços públicos. 

Sabendo que a resolução será chumbada, pode parecer uma saída de sendeiro. Mas se nos lembrarmos que, nesse voto, ela pode juntar PS e PSD, pode ser bastante mais do que isso: o Bloco a empurrar o PS para uma clarificação, a devolvê-lo ao espaço onde antes esteve. Com consequências para os próximos meses, com um aviso para o último Orçamento. 

No fundo, pode ser Catarina a dizer que se lembra do que aconteceu com Paulo Portas. E o Bloco a dizer que não se vê como um CDS. Será?

 

david.dinis@publico.pt

 

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