Jafar Panahi, Godard, Spike Lee e Jia Zhang-ke competem em Cannes

A 71.ª edição, de 8 a 19 de Maio, abre com Ashgar Farhadi, Todos lo Saben.

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O Festival de Cannes, com a ajuda das autoridades francesas, dirigiu-se já às autoridades iranianas a pedir que o cineasta Jafar Panahi seja autorizado a deslocar-se à Croisette para apresentar o seu filme em competição:Three Faces . A direcção do festival deseja que Panahi seja autorizado a estar em Cannes e que possa regressar depois ao Irão, onde foi condenado a uma pena de prisão domiciliária de seis anos e à proibição, durante 20, de filmar, de dar entrevistas e de sair do país.

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O Festival de Cannes, com a ajuda das autoridades francesas, dirigiu-se já às autoridades iranianas a pedir que o cineasta Jafar Panahi seja autorizado a deslocar-se à Croisette para apresentar o seu filme em competição:Three Faces . A direcção do festival deseja que Panahi seja autorizado a estar em Cannes e que possa regressar depois ao Irão, onde foi condenado a uma pena de prisão domiciliária de seis anos e à proibição, durante 20, de filmar, de dar entrevistas e de sair do país.

Nos anos seguintes a essa condenação, Panahi conseguiu passar clandestinamente para a Croisette Isto não É Um Filme (2011), magnífico diário sobre um homem confinado a um espaço, mas também um vislumbre de euforia perante a promessa de libertação do cinema — o filme chegou à Cinemateca francesa em Paris numa pen dentro de um bolo e de Paris a Cannes. Em 2015 venceu o Urso de Ouro de Berlim com Táxi. Os filmes foram vistos, Panahi não. A 71.ª edição de Cannes, que anunciou esta quinta-feira a selecção oficial em conferência de imprensa em Paris, quer ter o cineasta a apresentar este road feelgood movie — descrição do delegado geral, Thierry Frémaux, para um filme que é também o retrato de três actrizes em fases diferentes das respectivas vidas.

As autoridades francesas acompanham estes esforços junto do Irão: têm de ser “formais” e “não provocadores”, precisou o presidente do festival, Pierre Lescure.

É com outro cineasta iraniano, Asghar Farhadi, que abre o festival e a competição, que decorre de 8 a 19 de Maio. O filme chama-se Todos lo Saben.

Óscar por Uma Separação, Farhadi regressa ao festival em que antes apresentou, na selecção oficial, O Passado (prémio de interpretação feminina a Bérénice Bejo, em 2013) e O Vendedor (prémio de melhor argumento, para o próprio Farhadi, e de melhor interpretação masculina, para Shahab Hosseini, em 2016). Regressa com aquele que está a ser considerado o seu projecto narrativamente mais ambicioso, na forma como funde o thriller e seus twists com o retrato de grupo — porque é ainda, e como sempre, um filme sobre a família. Foi rodado em Espanha com o casal Penélope Cruz e Javier Bardem. Será a primeira vez desde 2004, desde Má Educação, de Pedro Almodóvar, que um filme que não é falado nem em inglês nem em francês é escolhido para a abertura.

De 8 a 19 de Maio, em competição, haverá Godard, Spike Lee, Christophe Honoré, Lee Chang-dong (Burning, oito anos depois de Poetry), Stéphane Brizé, Alice Rohrwacher (Lazaro Fellice, quatro anos depois do Grand Prix a O País das Maravilhas) e Jia Zhang-ke (Ash Is Purest White). O festival tem histórias com alguns deles. Por exemplo, com um cineasta “fácil” (“faz o que quiseres com o filme”, terá dito Godard a Frémaux), que apresentará o seu "ensaio" Le Livre d'Image.

Brizé regressa a Vincent Lindon, que teve prémio de interpretação no festival pelo comovente A Lei do Mercado em 2015. Desta vez filmou o actor numa fábrica a fechar, o filme chama-se En Guerre.

Spike Lee: houve uma altura em que era habitué, houve um ano em que os seus protestos ajudaram a que algumas regras do festival fossem alteradas, no ano em que Barton Fink levou tudo, Palma de Ouro, prémio de realização para os Coen e prémio de interpretação para John Turturro, ficando para o “favorito” Jungle Fever um prémio especial, de interpretação secundária, atribuído a Samuel L. Jackson, e ficou o protesto de Lee, “We wuz robbeda partir de então um filme que recebe a Palma de Ouro deixa de poder juntar ao seu palmarés os outros prémios importantes. E Spike Lee continua “em guerra”, diz Frémaux. A prova é BlacKkKlansman, baseado na história real de Ron Stallworth, detective negro do Departamento de Polícia do Colorado que penetrou no Ku Klux Klan no final dos anos 70.

Cannes vai passar a ter uma história com a libanesa Nadine Labaki, pela primeira vez em competição com Capernaum. (E interrompe a sua história com Xavier Dolan que, depois de ter mostrado aos seleccionadores The Death and Life of John F. Donovan, decidiu regressar com o filme à montagem; e com Jacques Audiard, que filmou um western em língua inglesa, The Sisters Brothers, mas os planos do produtor americano não passavam pela Croisette).

Ainda em concurso: Cold War (Pawel Pawlikowski, a preto e branco como Ida, Óscar do Melhor Filme Estrangeiro em 2015), Dogman (Matteo Garrone); Girls of the Sun, de Eva Husson, a realizadora de Bang Gang (une histoire d'amour moderne), Netemo Sametemo: Asasko I & II (Ryusuke Hamaguchi); Shoplifters (Hirokazu Kore-Eda, cineasta prolífico); Under the Silver Lake, de David Robert Mitchell, o realizador de It Follows (2014); Yomeddine, um primeiro filme egípcio (A.B. Shawky); Summer, de Kirill Serebrennikov, cineasta e encenador russo, em prisão domiciliária no seu país acusado de fraude, acusação que para muitos é uma retaliação do Kremlin pelas suas posições contra o sistema — Cannes pede às autoridades russas que permitam ao realizador que se desloque ao festival para apresentar esta crónica sobre a cena rock dos anos Brejnev em Leninegrado.

São 17 filmes em competição. Para já. Nos próximos dias, em que teremos ainda os filmes das secções paralelas, quer seja a Semana da Crítica ou a Quinzena dos Realizadores, novos títulos serão acrescentados. Não se pode esquecer, lembrou Frémaux, que em edições anteriores foram seleccionados de última hora, como O Quadrado e A Turma, que receberam a Palma de Ouro.

Estará fora de competição Han Solo: Uma História de Star Wars. Em sessões especiais, destacam-se Les Âmes Mortes, de Wang Bing, documentário de mais de oito horas com os corpos e as memórias da Revolução Cultural chinesa, e La Traversée, de Romain Goupil e Daniel Cohn Bendit, um “mosaico” da França 50 anos depois do Maio de 1968.

Confirma-se: a Netflix retirou os seus filmes porque está em duelo com o festival depois da decisão dos organizadores de condicionar a presença em competição à garantia da distribuição em sala (entre as “baixas” está o restauro de The Other Side of the Wind, o filme incompleto de Orson Welles). E estão proibidas as selfies na passadeira vermelha, assim se interrompendo um “fluxo desrespeitoso”. Porque, e será um endurecimento filosófico do festival, se deve ir a Cannes “para ver e não para se ser visto”.