Matemática vai mesmo ter novos programas, mas não no próximo ano lectivo

Ministério da Educação tinha garantido que não ia rever programas, mas já criou um grupo de trabalho com esse objectivo. Sociedade Portuguesa de Matemática avisa que não admite ser excluída deste processo.

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Nuno Ferreira Santos

O professor da Universidade de Coimbra, Jaime Carvalho e Silva, coordenador do grupo de trabalho que, por solicitação do Ministério da Educação (ME), irá analisar os programas de Matemática do ensino básico e secundário, não tem dúvidas que das recomendações que vierem a ser produzidas “sairá inevitavelmente a alteração dos actuais programas e metas curriculares”, que foram aprovados durante o mandato de Nuno Crato.

“Olhando para o terreno, é claro hoje que os actuais programas do básico e secundário são impossíveis de cumprir e todos os professores fazem prodígios para conseguirem apresentar aos alunos algo de coerente”, defende este docente.

A actual equipa do Ministério da Educação tem afirmado, desde o início da sua governação, que não iria proceder à revisão dos programas em vigor. Em resposta ao PÚBLICO, o ME apenas referiu que se pretende que o novo grupo de trabalho “produza recomendações sobre a aprendizagem da matemática, incluindo uma análise dos planos de formação e investimento passados, da eficácia dos programas que estão em vigor e que já estiveram em vigor, das aprendizagens essenciais, dos instrumentos de avaliação e das estratégias e metodologias mais eficazes.”

Falando aos deputados no final de Março, altura em que anunciou a constituição do grupo de trabalho, o secretário de Estado da Educação, João Costa, foi mais taxativo. “Sabemos que o problema passa pelos programas e que ano após ano o cenário se repete”, afirmou a propósito de mais um estudo da Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência a dar conta dos maus resultados nesta disciplina.

"Impossível que entrem em vigor em 2018"

Na prática, o ministério já fez entrar em vigor novas orientações para o ensino da Matemática, que estão consubstanciadas no que chama “aprendizagens essenciais”, mas provavelmente até ao final da legislatura irá mais longe. Uma coisa é certa, segundo Jaime Carvalho e Silva: “Será completamente impossível que entrem em vigor novos programas em Setembro de 2018”. Isto porque é preciso analisar “qual a melhor maneira de fazer as alterações necessárias e quais são exactamente as alterações ‘urgentes’”, o que passará por ver em pormenor qual “o estado actual do ensino da Matemática e da formação de professores”.

A revisão dos actuais programas de Matemática do ensino básico e secundário, que entraram em vigor respectivamente em 2013/2014 e 2015/2016, tem sido um dos principais cavalos de batalha da Associação de Professores de Matemática (APM), de que Carvalho e Silva foi vice-presidente entre 2012 e 2015. Do outro lado da barricada encontra-se, como tem sido norma, a Sociedade Portuguesa de Matemática (SPM), que contribuiu para a elaboração dos actuais programas. “Já foi com dois anos de vigência do novo programa do ensino básico que os alunos do 4.º ano conseguiram resultados excelentes em 2015 no TIMMS [Trends in International Mathematics and Science Study]”, frisa o presidente da SPM, Jorge Buescu, a propósito dos testes internacionais que visam avaliar a literacia dos alunos mais novos a Matemática e Ciências e na última edição dos quais os estudantes portugueses conseguiram ficar à frente dos finlandeses na primeira disciplina.

"Apanhados de surpresa"

Jorge Buescu, afirma que foram agora “apanhados completamente de surpresa” pelo anúncio da constituição do grupo de trabalho com vista à revisão dos programas, do qual só “souberam pela comunicação social”. “Não admitimos ser marginalizados desta maneira”, avisou, frisando que só com “estupefacção” é que se pode encarar o facto de se “falar da reformulação de programas excluindo a única sociedade científica que existe em Portugal no domínio da Matemática”.

Na resposta enviada ao PÚBLICO, o ME parece dar o assunto como resolvido ao apresentar Carvalho e Silva como sendo “da APM e da SPM”. “Até pode ser sócio da SPM, mas é completamente abusivo apresentá-lo desse modo já que representa posições radicalmente opostas às que têm sido defendidas pela Sociedade Portuguesa de Matemática na última década”, contrapõe Jorge Buescu.

“Não obedeço a nenhum credo associativo e entro no grupo de trabalho com a minha única experiência de 40 anos de ensino, investigação e intervenção tanto nacional como internacional. Actualmente sou sócio e colaboro regularmente com as duas associações, mas não “obedeço” a nenhuma!”, responde Carvalho e Silva.

E será que vai convidar formalmente alguém da SPM a participar no grupo de trabalho? “Não será esse um critério, ser ou não ser, nem relativamente à SPM nem relativamente à APM (ou outra associação).Esta é uma comissão técnica especializada e não um mini-parlamento”, avisa, para referir que está a convidar “pessoas com experiência, com uma visão abrangente do sistema educativo incluindo a formação de professores e com algum conhecimento de relatórios internacionais, mas também pessoas no terreno, professores do básico e secundário”.

Carvalho e Silva espera que o grupo de trabalho possa já ficar constituído durante esta semana.

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