Desnuclearização – a vontade e os limites

A perceção que os políticos e a opinião pública têm entusiasticamente assumido poderá ser inexata e ingénua.

Em 2009 foi atribuído ao Presidente Obama o Prémio Nobel da Paz, como consequência da sua intenção declarada de eliminar as armas nucleares do mundo. Esse objetivo teve tanto de grandioso como de frágil, como se vê após dois mandatos daquele brilhante presidente do país mais poderoso do mundo. Não só as armas nucleares não foram extintas como também Obama deixou o seu próprio país na posse de quase 7 mil armas nucleares, o segundo maior arsenal do mundo após o da Rússia. Cada uma destas armas tem, na maioria dos casos, uma potência muitas vezes superior à da bomba que explodiu em Hiroshima.

As armas nucleares constituem uma excrescência insana da Humanidade, mas a dura realidade é que nunca mais poderão ser verdadeiramente extintas. Não podemos desinventá-las, o seu know how existe para sempre, e para sempre haverá a possibilidade de alguém as fabricar, deixando o mundo refém de um qualquer louco ou criminoso. Perante essa possibilidade, nunca será possível convencer as principais nações nucleares a destruir a totalidade dos seus arsenais, sabendo que os seus cidadãos ficarão vulneráveis a qualquer outro país, grupo criminoso ou terrorista, que com uma única bomba poderá instantaneamente matar milhões de pessoas.

Após ter recebido o Prémio Nobel, Obama celebrou com a Rússia um importante acordo de mútua redução de armamentos nucleares e, em seguida, numa cimeira envolvendo 47 países, obteve um largo consenso para diversas medidas dirigidas a um maior controle dos materiais nucleares existentes no planeta. A crucial relevância destes desenvolvimentos é inquestionável. Mas supor que tudo isto indica que estamos a eliminar as armas nucleares do mundo e que os riscos inerentes se estão a dissipar é uma ilusão que a opinião pública está a interiorizar sem que essa seja a realidade. Essa falsa sensação poderá, em si mesma, ser um perigo. Naturalmente, todos desejamos encontrar uma forma de eliminar as armas nucleares (e todas as outras) do universo. Mas a perceção que os políticos e a opinião pública têm entusiasticamente assumido poderá ser inexata e ingénua.

O Presidente Obama e o então Presidente Medvedev, da Rússia, acordaram em reduzir os respetivos arsenais nucleares estratégicos (de longo alcance) para um máximo de 1550 dispositivos cada. Contudo, só uma minoria dos arsenais globais é composta por armas estratégicas. O acordo entre os Estados Unidos e a Rússia apenas visa os seus arsenais estratégicos e estabelece um máximo conjunto de 3100 armas. Acresce que o novo acordo entre os Estados Unidos e a Rússia foi tornado válido apenas por 7 anos. Por outras palavras, o esforço de Obama (e da Rússia) no sentido do desarmamento nuclear foi, e é, extremamente louvável e tem um impacto positivo e pedagógico na pacificação das mentalidades em países que durante gerações foram inimigos. Mas, na verdade, pouco mudou no contexto de fundo. O Prémio Nobel não premiou qualquer resultado genuíno, antes confortou palavras que todos gostam de ouvir mesmo que depois não se materializem simplesmente porque não são realistas.

Cada arma entre os muitos milhares referidos pode destruir uma cidade com alguns milhões de habitantes. No entanto, existem apenas cerca de 450 cidades no mundo com mais de 1 milhão de habitantes. Isto é, as armas mantidas após o Nobel de Obama poderão destruí-las todas, “várias vezes”.

Com o fim da Guerra Fria as armas nucleares passaram a ser menos importantes no contexto militar. Contudo, algo mudou radicalmente desde que a primeira bomba nuclear foi detonada, no deserto do Novo México, nos Estados Unidos, em 16 de Julho de 1945, 21 dias antes da explosão de Hiroshima. Nessa altura apenas algumas dezenas de especialistas no mundo conheciam essa tecnologia nuclear. Agora existem dezenas de milhares, espalhados por todo o mundo, quer em países fiáveis quer em países extremamente perigosos, sendo cortejados por organizações de crime internacional, redes de tráfico, máfias de droga, organizações intermediárias de países e forças políticas potencialmente agressivas e, pior que tudo, são procurados por grupos terroristas, entre os quais a al-Qaeda. Antigamente controlavam-se ferreamente os especialistas nucleares. Agora isso é impossível. Os especialistas e a tecnologia nucleares proliferaram para além da nossa capacidade de controlo. Nunca mais poderemos voltar ao ponto de partida.

O fabrico de armas nucleares exige também materiais físseis para a reação nuclear explosiva. Consequentemente, faz todo o sentido que, na cimeira entre 47 nações que Obama reuniu, se tenha procurado consensualizar o princípio de que todo o material nuclear utilizável em bombas deverá estar, no mundo, devidamente concentrado e guardado. No entanto, este é também um objetivo cuja prossecução total e eterna será impossível. Existe urânio altamente enriquecido, plutónio e outros materiais nucleares perigosos literalmente disseminados pelo mundo, em significativa parte em instalações civis. Parte desses materiais encontra-se em países cujas aventureiras ambições nucleares estão fora do alcance de Obama ou dos 47 países por ele reunidos. Quantidades não irrelevantes de urânio altamente enriquecido e de plutónio desapareceram já ao longo dos anos, parte das quais se encontra em locais e em mãos indeterminadas. Na verdade ninguém sabe que quantidades poderão encontrar-se já na posse de grupos terroristas que, como a al-Qaeda, procuram deter armas nucleares.

Não julgo que o maior perigo seja o dos grandes arsenais de armas nucleares, mas o do risco de uma única bomba cair nas mãos erradas e criminosas, como as de grupos terroristas. Na verdade, sempre foi e continua a ser minha opinião que um ato de terrorismo nuclear será uma mera questão de tempo. Os terroristas (e não só eles) procuram deter potencial nuclear através de vias como a do roubo de armas já existentes ou do fabrico de uma arma nuclear simples de implosão. Mas o terrorismo nuclear não se materializa apenas numa explosão nuclear. Uma explosão convencional que pulverize um pequeno núcleo de plutónio com 500 gramas poderá, quase sem destruição física, deixar uma cidade inabitável durante muitos anos. E, no entanto, no mundo existem quantidades de urânio e de plutónio, de qualidade militar, suficientes para cerca de 200.000 bombas nucleares. Na Rússia esses materiais estão dispersos por cerca de 250 locais, com graus de proteção variáveis. Mesmo materiais existentes um pouco por todo o lado, em instalações civis, podem ser usados para contaminar radioactivamente uma importante cidade.

As armas nucleares constituem um elemento de preocupação da Humanidade. Contudo, nenhum de nós é capaz da proeza de as desinventar. Consequentemente, iremos assistir a acordos sucessivos tendentes à redução dos arsenais existentes. Mas ninguém, nem mesmo Obama apesar do seu Nobel, admitiu eliminar totalmente os seus. Porque nenhum país que possua este horrível elemento de proteção das suas populações admite eliminar todas as suas armas e, de repente, ficar refém de um grupo terrorista ou de um ditador louco que controle uma bomba nuclear, ou algumas, com a capacidade de destruir grandes cidades e milhões de seres inocentes.

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