As instruções do BCE para “congelar” depósitos

A questão é que o BCE não pode dar tal instrução que não está enquadrada por legislação europeia.

Esta segunda-feira, o BCE “instruiu” o supervisor bancário da Letónia para impor uma moratória aos passivos de um dos maiores bancos desse país, o banco ABLV, tendo divulgado publicamente essa “instrução”.

­­O interessante do caso é que, pese embora a vontade do BCE expressa em várias instâncias, em possuir mais esse poder e autoridade quase sem limitações ou restrições sob o risco de perda de eficácia, a verdade é que a proposta da atribuição ao BCE de poderes de moratória em relação aos passivos de um banco (leia-se, depósitos bancários) está em discussão e ainda não foi aprovada pelas instituições europeias, nomeadamente, pelo Parlamento Europeu

É certo, a lei da Letónia que desconheço poderá dar tais poderes à autoridade de supervisão nacional da Letónia, ou o Governo da Letónia poderá ter aprovado uma resolução que enquadre tal moratória no entretanto. Porém, a questão é que o BCE não pode dar tal instrução que, como se referiu, não está enquadrada por legislação europeia.

Mas enfim, esse será um “insignificante” pormenor para Danièle Nouy, presidente do Mecanismo Único de Supervisão do BCE, a mesma responsável que num e-mail num sábado de manhã de Dezembro de 2015 “instruiu” o Ministro das Finanças de Portugal que nem valeria a pena perder tempo a procurar outro comprador para o Banif, depreende-se, porque a decisão de “vender” o Banif ao Santander por zero euros já estava tomada pelas autoridades europeias.

As corridas a bancos sucedem-se na zona euro. Em 2015, uma corrida que quase pareceu organizada, prostrou o Banif com o Governo de Portugal a deixar a hemorragia acontecer à sua frente. Em 2017, uma corrida aos depósitos fez o mesmo ao Banco Popular espanhol e a crise da Catalunha deverá ter colocado dois outros grandes bancos espanhóis sob intensa pressão. Em Itália, algo similar aconteceu com três bancos italianos, em dois processos que resultaram numa factura de 26 mil milhões de euros para o erário público italiano. E, em Chipre e na Grécia continuam ainda hoje em vigor as moratórias aos levantamentos de depósitos impostas há já vários anos.

Desta feita, no âmbito de uma proposta de acusação de 13 de Fevereiro, o Departamento de Tesouro dos EUA identifica o banco ABVL da Letónia como associado a lavagem de dinheiro de entidades relacionadas com o Governo da Coreia do Norte. Note-se que esta proposta de acusação ainda não é definitiva, estando em fase de contraditório e que o banco visado nega as acusações.

Mas a proposta de acusação do Departamento do Tesouro dos EUA, dado o “insatisfatório” regime de resolução bancária existente na Zona Euro, precipitou uma corrida aos depósitos do ABVL.

No caso vertente o BCE reage, de novo, de forma ad-hoc. Ao constatar a fuga de depósitos no ABVL, instruiu as autoridades da Letónia a aplicar uma moratória, que afectará os depósitos, depositantes e a confiança no sistema bancário da Letónia, tanto mais que o Governador do Banco Central da Letónia estará fragilizado com uma investigação policial sob suspeita de corrupção.

O leitor coloque-se na posição de um depositante desse banco da Letónia, que de repente se vê sem acesso aos seus depósitos porque o Departamento do Tesouro dos EUA acha que o seu banco estará a ajudar a Coreia do Norte? Não lhe parece arbitrário e desproporcional?

Mais um exemplo que sugere que o excesso de poderes do BCE sobre os bancos que supervisiona constitui factor de instabilidade no sistema financeiro da Zona Euro. Quantos bancos terão de encerrar, quantos depositantes terão de perder poupanças e quanta actividade económica terá de ser destruída antes de se alterar este estado de coisas?

 

 

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