Israel deu o seu maior passo na guerra síria. Mas o que significa?

As regras da guerra mudaram e as parte em conflito estão a correr mais riscos, o que pode levar a uma escalada que envolva os países dentro da Síria e não só.

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O avião israelita caiu já em território de Israel Herzie Shapira/Reuters

A guerra na Síria assistiu a uma série de reviravoltas este ano, mas neste fim-de-semana aconteceu uma das mais graves. No sábado, os militares israelitas anunciaram que realizaram um ataque aéreo de grande escala dentro da Síria, depois de confrontos durante a noite — após um drone iraniano ter sido abatido em território sírio e de um caça F-16 israelita ter sido derrubado pelas forças de Bashar al-Assad. 

Apesar da proximidade, Israel tem-se mantido sobretudo à margem do conflito sírio que dura há sete anos. Os ataques de sábado, porém, sugerem que em breve pode ser arrastado para um conflito que se torna cada vez mais caótico depois da derrota do grupo jihadista Daesh. Um envolvimento cada vez maior de Israel na luta que se trava à sua porta pode ter sérias consequências para a guerra na Síria — e para toda a região.

Qual foi o envolvimento de Israel até agora?

Israel partilha uma fronteira disputada com a Síria — os Montes Golã — e mantém desde há muito uma relação adversa não só com o governo de Bashar al-Assad mas também com o Irão e o Hezbollah libanês, aliados da Síria. Porém, Israel tinha poucos motivos para apoiar o Daseh ou os grupos islamistas aliados à Al-Qaeda que se tornaram as principais forças em confronto com o governo de Damasco.

Ainda assim, Israel conduziu dezenas de raides aéreos contra comboios de armas do Hezbollah na Síria. Na maior parte das vezes, foram pequenas intervenções que nem foram anunciadas. E o governo sírio e os seus aliados optaram por não responder, receosos de abrir outra frente de guerra num conflito já tão caótico.

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Porém o cenário começou a mudar no ano passado, à medida que o Daesh perdia território e que as forças de Assad e os seus aliados começavam a controlar o conflito.

No ano passado, Israel foi contra um cessar-fogo parcial negociado nas Nações Unidas pelos Estados Unidos e pela Rússia, argumentando que a trégua iria permitir a expansão do Irão para junto das fronteiras israelitas. Muitos em Israel temem que o Irão e os seus aliados se entricheirem perto das fronteiras israelitas e que o Hezbollah tenha estado a usar a Síria como campo de treino — e que o Irão possa ajudar a milícia xiita a aumentar a sua capacidade de usar mísseis telecomandados. 

“Não iremos permitir que o regime se posicione militarmente na Síria, como parece estar a fazer, com o objectivo declarado de irradicar o nosso Estado”, disse o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, durante uma visita a Washington em Dezembro do ano passado.

O ataque de sábado foi diferente de outros realizados por Israel?

Israel realizou um número significativo de raides na Síria nos últimos meses, mas o de sábado foi de facto diferente. Israel diz que o episódio começou às primeiras horas de sábado, com um drone iraniano vindo da Síria a entrar no seu território. Os militares divulgaram imagens do drone a ser abatido por um helicóptero de guerra.

O Irão negou que os acontecimentos se tenham passado assim e Bahran Qasemi, o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros, disse que a versão israelita é “ridícula”. Mas se for verdade, o episódio seria entendido como uma provocação de Teerão e talvez como uma tentativa de provocar uma resposta de Israel.

Israel enviou então os seus caças para a Síria, para um ataque à base militar perto da cidade de Palmira de onde o drone terá saído. As forças sírias responderam com “fogo anti-aéreo substancial”, segundo Israel. Um caça israelita foi abatido e os dois tripulantes ejectaram-se (já em espaço áreo isrealita). 

A tripulação foi levada para o hospital: um está em estado grave. “Trata-se do primeiro incidente deste género em 30 anos”, escreveu o jornalista especializado em questões de defesa Amos Harel. Acrescentou que a vontade síria de responder a um ataque aéreo israelita mostra “que o regime tem um renovado sentimento de força”.

Num comunicado, o Hezbollah disse que o derrube do F-16 israelita abre “uma fase de uma nova estratégia” no conflito. “Os desenvolvimentos de hoje significam que a velha equação acabou definitivamente”, disse o grupo num comunicado.

Depois do derrube do caça, os militares israelitas atacaram novamente, atacando 12 alvos militares na Síria — oito sírios e quatro que dizem ser iranianos —, no que foi o mais significativo ataque de Israel na Síria em décadas. O brigadeiro-general Tomer-Bar, número dois da Força Aérea israelita, disse ao jornal Haaretz que estes ataques foram “os maiores e mais significativos que a Força Aérea realizou contra as defesas aéreas sírias” desde a Guerra do Líbano, em 1982.

Se Israel se envolver militarmente, o que significará isso para a guerra na Síria — e para a região?

Neste momento, um conflito na fronteira síria não é do interesse nem de Israel nem das forças aliadas do Irão. Mas as várias investidas militares mostram que nenhuma das partes está decidida a recuar. Se o conflito escalar, pode acrescentar um ângulo perigoso ao conflito em curso — um ângulo que pode levar ao envolvimento de outras potências da região e de fora dela.

A base militar atacada por Israel alberga não apenas os soldados sírios mas altas patentes militares russas. Alguns observadores israelitas disseram que é difícil imaginar que os russos não soubessem do drone iraniano e dos disparos da anti-aérea que se seguiu. Estranhamente, em Janeiro, Netanyahu visitou Moscovo para convencer a Rússia a controlar o aliado iraniano na Síria.

Os Estados Unidos, um aliado chave de Israel, já está envolvido no conflito na Síria, apoiando rebeldes sírios, e já entrou em algumas disputas com a Rússia. Na semana passada, aviões de guerra americanos bombardearam as forças pró-governamentais que, alegadamente, avançaram sobre forças apoiadas pelos americanos na província leste de Deir Ezzor. O secretário da Defesa, James Mattis, disse não estar claro se havia russos envolvidos nessa movimentação.

As forças apoiadas pelos Estados Unidos e pela Rússia têm um inimigo comum, o Daesh, mas à medida que o combate aos radicais islâmicos perde intensidade, surgem novos conflitos na Síria. A Turquia, por exemplo, lançou recentemente a sua própria ofensiva contra combatentes curdos no Norte da Síria, o que a deixou numa posição de adversário dos EUA que é aliado dos de algumas forças curdas na guerra contra o Daesh.

Um conflito aberto entre Israel e forças apoiadas pelo Irão aumentaria o enredo e o caos na Síria. E haveria o risco de o vizinho Líbano e de outros estados árabes serem empurrados para uma nova guerra.

Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post

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