Trump dá luz verde a memorando e entra em rota de colisão com o FBI

Casa Branca autorizou a divulgação de um documento que põe em causa a independência do FBI e do Departamento de Justiça.

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O director do FBI, Christopher Wray, foi escolhido por Donald Trump
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O director do FBI, Christopher Wray, foi escolhido por Donald Trump Reuters/CARLOS BARRIA

O Presidente dos EUA, Donald Trump, não se opôs à divulgação de um polémico memorando elaborado pelo Partido Republicano que acusa o FBI de ter agido com motivações políticas para vigiar um elemento da sua campanha eleitoral.

Na noite de quarta-feira, quando já se esperava esta decisão da Casa Branca, o FBI divulgou um comunicado em que acusa o Partido Republicano de manipular informação sensível para pôr em causa a sua independência.

"O FBI teve uma oportunidade limitada para rever o documento da Comissão de Serviços Secretos da Câmara dos Representantes, apenas um dia antes de a sua divulgação ter sido aprovada. Tal como sublinhámos na nossa revisão inicial, temos graves preocupações sobre omissões materiais de factos que têm um impacto fundamental no rigor do memorando", lê-se no comunicado do FBI.

É habitual – e até aconselhável – que os directores do FBI manifestem as suas preocupações aos congressistas e ao Presidente dos EUA sobre assuntos de segurança nacional e outros temas sensíveis, mas isso costuma acontecer à porta fechada.

Neste caso – e sabendo-se que o director do FBI, Christopher Wray (nomeado por Trump), já tinha ido à Casa Branca dizer ao chefe de gabinete do Presidente o que pensava –, a decisão de tornar pública esta oposição, e logo de uma forma tão assertiva, indica que a corda entre a Casa Branca e o FBI partiu-se de vez.

Em causa está um memorando com três páginas e meia elaborado por congressistas do Partido Republicano liderados por Devin Nunes, o responsável máximo da Comissão de Serviços Secretos da Câmara dos Representantes e aliado do Presidente Trump.

Nesse documento (preparado com base em informações confidenciais a que só dois congressistas tiveram acesso e cujo conteúdo foi parcialmente avançado nos últimos dias), Nunes e os seus colegas alegam que o FBI e o Departamento de Justiça não foram honestos quando pediram a um tribunal especial que autorizasse a vigilância a Carter Page, à época conselheiro da campanha de Donald Trump sobre política internacional.

Segundo os republicanos, o FBI e o Departamento de Justiça deveriam ter dito ao juiz que aquele pedido assentava em informações recolhidas pelo antigo espião britânico Christopher Steele, incluídas num polémico dossier sobre alegadas ligações entre Trump e a Rússia e financiado, em parte, pelo Partido Democrata (e também por opositores de Trump no Partido Republicano).

Para os republicanos – e para o Presidente Trump, que já tinha garantido na terça-feira, numa troca de palavras com um congressista, que não oporia à divulgação do memorando  –, o pedido de vigilância com base num dossier pago pelo Partido Democrata prova que toda a investigação sobre as suspeitas de conluio entre a campanha de Trump e a Rússia tem uma motivação política.

Do outro lado, o Partido Democrata acusava o Partido Republicano de ter feito uma jogada suja ao elaborar um memorando apenas com informações que interessam a quem pretende descredibilizar a investigação – de fora, segundo os democratas (e também o FBI) terão ficado informações de contexto, como a probabilidade de aquele pedido de vigilância se ter baseado em muitos outros indícios para além do dossier de Steele.

Mas esta tese será difícil de provar, já que o Partido Democrata e o FBI teriam de revelar publicamente informações confidenciais, pondo em risco fontes e aliados. E é por isso que se dizem encurralados: quando o memorando for divulgado, os norte-americanos só vão conhecer a versão do Partido Republicano, que dizem ter sido manipulada (na votação em que aprovaram a divulgação deste memorando, os congressistas republicanos não aprovaram a divulgação de um outro, do Partido Democrata, elaborado com o objectivo de apresentar uma versão distinta).

Para além disso, especialistas como Orin Kerr argumentam que qualquer juiz tem consciência de que os informadores têm interesses próprios – mas que isso não invalida, à partida, a importância das informações, sendo necessário avaliar, por exemplo, o passado desses informadores e a qualidade das pistas que deram em outras ocasiões ao FBI (Steele trabalhou com o FBI e a CIA noutras ocasiões).

Pressão sobre Departamento de Justiça

O comunicado da polícia federal norte-americana representa também um momento importante neste conflito de quase um ano entre a Casa Branca e o procurador especial Robert Mueller, responsável no terreno pela investigação sobre as suspeitas de conluio entre a campanha de Trump e a Rússia.

Em menos de um ano, o Presidente tomou decisões e fez declarações que levaram Mueller a estender a sua investigação a suspeitas de obstrução à Justiça.

Primeiro, despediu o director do FBI, James Comey, depois de lhe ter pedido para que abandonasse a investigação ao ex-conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca, Michael Flynn; depois, disse numa entrevista ao New York Times que não teria nomeado Jeff Sessions para o cargo de attorney general (uma espécie de mistura entre ministro da Justiça e procurador-geral) se soubesse que ele iria afastar-se da supervisão da investigação; e nos últimos tempos tem sido muito falada a sua fúria contra o attorney general adjunto, Rod Rosenstein, o homem que passou a supervisionar a investigação após o afastamento de Sessions e que nomeou Robert Mueller como procurador especial.

De acordo com os opositores de Trump, o verdadeiro alvo do memorando do Partido Republicano é Rod Rosenstein que, já como responsável pela investigação sobre a Rússia, renovou o pedido de vigilância a Carter Page, provando que também o FBI e o Departamento de Justiça nomeados por Trump acreditam que o seu antigo conselheiro foi, ou é, um agente ao serviço da Rússia.

De acordo com a Constituição, o FBI e o Departamento de Justiça estão sob a alçada do poder executivo, mas é um ponto de honra para as duas instituições poderem fazer o seu trabalho com total independência em relação ao Presidente. É por isso que as declarações de Trump sobre a alegada motivação política das duas instituições, e as suas decisões e declarações com vista a afastar responsáveis, são vistas como um perigo para a isenção dos investigadores nos Estados Unidos.

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