O “apagão” dos dados offshore: diz que sim e faz que não?

Na acção da Autoridade Tributária e Aduaneira o quê ou quem falhou, omitiu ou errou. E porquê?

1. O desalistar de Macau da lista das jurisdições não-cooperantes publicada pela UE em 5.12.2017 interpela Portugal a esclarecer urgentemente e perante todos o que ocorreu há mais de um ano com o caso do apagão de dados de 10.000 milhões de euros de transferências para offshores. Isto é porque a cooperação fiscal em matéria de troca de informações é uma prioridade da comunidade internacional, em especial da UE. E para os investidores mais exigentes é cada vez mais importante operarem em jurisdições com elevada qualidade em transparência fiscal, como demonstrou a rapidíssima reacção de Macau. Como pode ser verificado, antecipei que a inclusão de Macau na lista de jurisdições não-cooperantes originaria uma explosão reputacional que faria com que sucumbisse, como antes sucumbiu a Suíça. Nisto contrariei o cepticismo vigente de que é exemplo o despacho da Reuters, de 5.12.2017, que antevia que “os paises incluídos na lista negra deixam de poder ser utilizados por instituições da UE para operações financeiras internacionais e as transações que os envolvam poderão ficar sujeitas a maior escrutínio. No entanto, estas sanções podem exercer pouco efeito em persuadir os paraísos fiscais mais ricos a mudar de rumo”. A verdade é que em menos de dois meses Macau comprometeu-se a praticar a troca de informações fiscais. Nesta pressão reputacional está, a meu ver, a chave de leitura da estratégia utilizada pela UE como meio de dissuadir aqueles que resistem aos novos meios que pretendem difundir à escala global para lutar contra os fluxos financeiros ilícitos, em especial a evasão fiscal. Ou cooperam ou sofrem medidas defensivas, mesmo que com a China no caminho.

2. A adesão aos padrões de transparência fiscal é uma prioridade ao mais alto nível, tanto quanto é a monitorização da sua efectiva implementação, que é verificada através de um processo que em 2018-2020 será ainda mais minucioso. A finalidade é construir uma infraestrutura global de troca de informações que permita o acesso a informação altamente sensível, como é a informação financeira referente ao beneficiário legal ou efetivo, aos registos contabilísticos e aos extractos bancários. Razão devido à qual é dada importância fundamental à verificação do nível de confidencialidade, de protecção de dados pessoais, além de outros aspectos, inclusive cibersegurança. Ou seja, não basta que um Estado tenha interesse legítimo em receber as informações. É necessário que assegure de facto a confidencialidade e a protecção dos dados pessoais. Por esta razão, caso uma jurisdição destinatária não assegure um nível de proteção adequado, um pais pode recusar prestar informação. Algo que no futuro será ainda mais valorizado devido à ação pioneira da UE na protecção dos dados pessoais. Em contraste com a gula antihumanista da administração do senhor Trump, bem explícita na horrífica decisão sobre o fim da neutralidade da Internet.

3. Este contexto, como desde a primeira hora fiz notar, recomenda que se esclareça o dito “apagão” como um assunto do Estado português, com respeito pelo direito de defesa dos envolvidos. E que se valorize a democracia financeira publicitando diligências e resultados. Porém, mais de um ano volvido, persistem as dúvidas, os jogos de silêncios e as demoras descritas nos exemplares artigos do PÚBLICO, por Pedro Crisóstomo, de 24.01.2018. Parece até que se entrou num jogo de diz que sim e faz que não. O que é muito imprudente e pode fracturar a confiança no sistema fiscal e na Autoridade Tributária e Aduaneira. Não só porque em política o que parece é, como por causa do odor de injustiça, impunidade e de protecção dos mais poderosos que exala de um “apagão” de dados, referente a um período cuja divulgação da informação estatística foi interrompida por vontade política. E que apenas se soube devido à investigação jornalística do PÚBLICO dos dados, entretanto divulgados pelo responsável político seguinte, nos quais uma parte muito significativa das transações respeita a contas no BES. Tudo isto afecta a reputação de Portugal como intermediário de confiança. E pode suscitar dúvidas legítimas aos Estados nossos parceiros, para se ser destinatário de informações sensíveis por não se assegurar um nível de protecção adequado. Afectando assim a recuperação da economia e do sector bancário, como comprova o caso de Macau. Perante tudo isto, é urgente preservar o prestígio civilizacional de Portugal, do open government e de accountability vigente na democracia portuguesa, e da integridade da Autoridade Tributária e Aduaneira. E só há uma forma correcta de o fazer, que é esclarecer todas as dúvidas e publicar a verdade sobre isto: na acção da Autoridade Tributária e Aduaneira o quê ou quem falhou, omitiu ou errou, inclusive na eliminação indevida de logs. E porquê?

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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