Homenagem a Mário Soares fez-se com vivas à Europa

Cerimónia de atribuição do nome do antigo Presidente da República português a uma sala do Parlamento Europeu foi um momento de reafirmação dos ideais em que assenta a construção europeia.

Nome de Mário Soares atribuído a sala do Parlamento Europeu RTP

Mais do que uma evocação da memória e homenagem a Mário Soares, a cerimónia de atribuição do nome do antigo líder socialista, primeiro-ministro, Presidente da República e também eurodeputado português que morreu em Janeiro do ano passado, a uma sala de reuniões do Parlamento Europeu, foi um momento de comunhão e partilha dos valores fundamentais de paz, liberdade, solidariedade e democracia na base do projecto europeu, e de reafirmação dos ideais da construção europeia.

"Viva Mário Soares e Viva a Europa", declarou o primeiro-ministro António Costa, a terminar a sua intervenção em que descreveu Mário Soares como "um herói da liberdade e da democracia" e destacou a sua "ousada visão estratégica" ao subscrever, em 1977, o pedido de adesão de Portugal, e mais tarde ao assinar o tratado que consagrou a entrada de Portugal na então Comunidade Económica Europeia, em 1985. "Foi sempre um militante da Europa. Via a Europa unida como uma das mais admiráveis construções políticas, e lutou sempre contra os burocratas, tecnocratas, cépticos e cínicos por uma Europa moderna", lembrou o primeiro-ministro.

Antes dele, o antigo presidente do Governo de Espanha, Felipe González, já tinha elogiado a iniciativa do PE de nomear a sala Mário Soares. "Este espaço tem agora uma identidade; que tenha o nome de Soares em lugar de um número é um facto simples mas significativo, porque dá espírito à construção europeia."

Falando na sua qualidade de amigo pessoal e companheiro político de Soares — "compartilhámos durante meio século as mesmas trincheiras e a mesma batalha" — o socialista espanhol fez o discurso mais político da cerimónia, ao referir-se à desilusão que ambos sentiram "quando a União Europeia, enfrentando a crise financeira de há dez anos, se comprometeu com políticas pró-cíclicas de austeridade, esquecendo a matriz de uma economia social de mercado que está na sua construção".

González disse não poder partilhar do actual "optimismo" por se ter ultrapassado a crise, assinalando, por exemplo, que a mensagem que saiu do Fórum Económico Mundial de Davos foi de que "a economia da globalização tem um grave problema de sustentabilidade se não se corrigir o problema da desigualdade na distribuição da riqueza".

"Não podemos considerar que a crise acabou até que as feridas da desigualdade se fechem de maneira justa. Mas temos de enfrentar este problema com os instrumentos de hoje, e não como fizemos há 30 ou 40 anos", frisou o político espanhol. "Mário Soares estaria de acordo comigo, mas tê-lo-ia dito de outra maneira", acrescentou, para saudar a acutilância do seu amigo.

Aplausos ao tributo de Isabel Soares

Já o momento mais emocionante foi da responsabilidade de Isabel Soares, que comoveu a plateia (a sala estava repleta, com muita gente a assistir de pé ou sentada no chão aos discursos) com o seu tributo ao pai. Desculpando-se pelo "olhar embaciado pela ternura, admiração e gratidão", a filha de Mário Soares falou de um "homem livre indomado e indomável, que nunca se deixava abater" e de um político que "desde muito cedo" percebeu que Portugal não podia viver isolado do mundo e portanto foi sempre "um europeísta convicto". 

"Esta homenagem é para nós seus filhos muito comovente, mas também justa", afirmou, citando o poeta Jorge de Sena para concluir que naquele espaço agora chamado Mário Soares, "a sua luz brilha, não na distância, mas no meio de nós". A sala irrompeu num forte aplauso, ovacionando de pé as palavras de Isabel Soares.

Em vez do número 3G3, um dos salões utilizados para reuniões de grupos políticos no terceiro andar do Parlamento Europeu, tem agora uma placa onde se lê Mário Soares; no interior, um busto do político português mira o pequeno auditório em hemiciclo a partir do centro da sala. A proposta, apresentada pelo eurodeputado Pedro Silva Pereira foi aprovada por todos os grupos políticos do Parlamento Europeu: como frisou o vice-presidente, David-Maria Sassoli, Mário Soares deve ser considerado "um grande estadista e um pai da Europa". "Na sua vida, há uma mensagem para todos nós, de reforço das instituições e da Europa, e da política como serviço público" — que não podia ser mais contrastante com as manifestações de individualismo, populismo, nacionalismo, racismo e xenofobia "que também existem" na Europa.

Confessando que a proposta de atribuição do nome de Soares a um espaço do Parlamento Europeu foi a iniciativa que mais orgulho lhe deu, Pedro Silva Pereira considerou que na actual conjuntura, "é o próprio projecto europeu que mais precisa desta homenagem". "Na base das dificuldades com que nos confrontamos está uma crise de resultados, mas também de valores e de sentido. E assim, através da memória de Mário Soares, lembramos à Europa a absoluta urgência de se reencontrar com os seus valores humanistas e solidários e a sua ambição original de paz, prosperidade e convergência", disse.

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