Centeno: Fundo de Resolução é “facilmente insolvente” e com “efeito cascata”

Ministro das Finanças afirmou hoje no Parlamento que o Fundo tem responsabilidades que o tornam "facilmente insolvente", o que teria um "efeito cascata sobre o sistema financeiro, que é preciso acautelar". Governo não responde a quanto pode chegar o financiamento

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Acordo-quadro para a disponibilização de recursos públicos ao Fundo de Resolução esteve esta quarta-feira em debate na Comissão parlamentar de Orçamento LUSA/MÁRIO CRUZ

O ministro das Finanças, Mário Centeno, afirmou esta quarta-feira que as condições previstas no acordo-quadro, entre elas a possibilidade de o Estado conceder um novo empréstimo ao Fundo de Resolução, são necessárias para "garantir a estabilidade financeira".

"O acordo-quadro para financiamento do Fundo de Resolução não é uma garantia o Estado, não se substitui nas suas obrigações. É um mecanismo de financiamento de substituição de liquidez a uma instituição que está no perímetro das administrações públicas", afirmou Mário Centeno, numa audição no Parlamento sobre o processo de venda do Novo Banco.

O ministro disse ainda que o Fundo de Resolução tem responsabilidades que o tornam "facilmente insolvente" e que essa insolvência teria um "efeito cascata sobre o sistema financeiro que é preciso acautelar".

É nesse sentido que, justificou Mário Centeno, o acordo-quadro surge: "Para garantir a estabilidade financeira".

O acordo-quadro assinado em Outubro para a disponibilização de fundos pelo Estado ao Fundo de Resolução, para que este possa fazer face às suas obrigações, sobretudo com o Novo Banco, chegou esta semana à Assembleia da República e esteve esta quarta-feira em debate na Comissão parlamentar de Orçamento, Finanças e Modernização Administrativa.

Segundo admitiu o secretário de Estado Adjunto e das Finanças, Ricardo Mourinho Félix, uma das possibilidades é que o Estado venha a fazer um empréstimo ao Fundo de Resolução, caso este não consiga recapitalizar o Novo Banco conforme acordado na venda à Lone Star. Em causa está um valor que pode chegar a 3,89 mil milhões de euros, embora o Governo não tenha respondido às questões dos deputados sobre até que montante pode chegar esses empréstimos.

Para o PSD, esta é uma das fontes possíveis de financiamento do Estado ao Fundo de Resolução que foram "escondidas até hoje" ao parlamento pelo Governo, tal como o pagamento de indemnizações que podem chegar aos 300 milhões de euros e que estão relacionadas com custos dos processos judiciais que existem em torno da resolução do antigo Banco Espírito Santo (BES).

Já de acordo com Mourinho Félix, caso o Estado não assumisse esses custos o Novo Banco "nunca seria vendido", até porque, considerou, "obviamente que o comprador não é responsável por suportar os custos que decorreram da resolução".

A data de resolução do antigo BES, em Agosto de 2014, foi abordada várias vezes pelos membros do Ministério das Finanças, para afirmar que as responsabilidades que o Estado terá de suportar agora nasceram nessa altura.

Depois da resolução, e segundo o ministro Mário Centeno, "o sistema financeiro português enfrentou uma dificuldade gigantesca e um risco incalculável com o processo de resolução do BES".

Segundo o governante, isso "pesou centenas de milhões de euros no financiamento da República Portuguesa" e ao sistema financeiro.

Esta questão, de acordo com a equipa do Ministério das Finanças, foi travada com as novas regras de financiamento do Fundo de Resolução e com a venda do Novo Banco, que foi tida em conta na revisão em alta das agências de 'rating'.

Nesse sentido, Mário Centeno aproveitou a sua intervenção para elogiar os resultados da emissão de 4000 milhões de euros em Obrigações do Tesouro a uma taxa de 2,05% desta manhã: "Não acredito que tivéssemos chegado a este ponto sem o sucesso da venda do Novo Banco", comentou.

Durante esta audição, o ministro foi questionado por duas vezes pelo PSD sobre o pedido para assistir a um jogo do Benfica na bancada presidencial do Estádio da Luz, mas em nenhuma delas respondeu.

Novo empréstimo do Estado para capitalizar Novo Banco

Na comissão parlamentar de Orçamento, o deputado do PSD António Leitão Amaro apontou as "dúvidas sérias" que surgem do acordo-quadro assinado entre o Estado e o Fundo de Resoluçã.

"Caso exista a depreciação desses ativos que afetem os rácios de capital, caso o Fundo de Resolução seja chamado [a recapitalizar o Novo Banco], caso não tenha meios financeiros para o fazer, então pode pedir emprestado ao Estado os fundos necessários para satisfazer esses compromissos. Existe essa possibilidade, sim, não vale a pena tentar esconder. A partir daqui, o que se faz é o Estado fazer um empréstimo ao Fundo de Resolução", admitiu Mourinho Félix.

Para o secretário de Estado, "não faz muito sentido exigir o pagamento de empréstimos que sejam concedidos em capital contingente primeiro e antes de serem satisfeitas essas obrigações para depois o Estado voltar a emprestar".

Na terça-feira à noite, o jornal online Eco divulgou o conteúdo do acordo-quadro assinado entre o Estado e o Fundo de Resolução, para viabilizar a venda do Novo Banco, afirmando que o documento protege sempre o Fundo no caso de este não ter capacidade financeira para reembolsar o Estado.

Se tiver outras obrigações financeiras por cumprir, o Fundo de Resolução está isento de reembolsar o Estado pelos empréstimos que receba, até que as restantes obrigações estejam cumpridas, resume o Eco.

Questionado pela deputada do CDS-PP Cecília Meireles sobre qual será o impacto direto deste acordo nas contas públicas (dívida e défice) e se se pode verificar já em 2019, o ministro das Finanças, Mário Centeno, disse não ter informação sobre como é que esse risco se vai materializar.

"Mas esse risco existe. É importante que o Fundo de Resolução esteja ciente da necessidade de gerir esse risco e é importante que estejamos todos avisados de que há um risco em toda esta operação. Mas não nasce em Outubro de 2017 nem em janeiro de 2017: nasce a 3 de Agosto de 2014", afirmou o governante.

A venda do Novo Banco (o banco que sucedeu ao BES, resgatado em Agosto de 2014) foi concretizada em Outubro ao fundo norte-americano Lone Star, mas o Estado pode continuar a ser chamado a ajudar financeiramente o banco, diretamente ou através do Fundo de Resolução.

Desde logo, para ajudar a capitalizar o Novo Banco aquando da sua criação, o Estado emprestou ao Fundo de Resolução bancário 3.900 milhões de euros.

Este fundo – apesar de consolidar nas contas públicas e de ser gerido pelo Banco de Portugal – é detido pelos bancos que operam em Portugal, pelo que lhes caberá a eles devolver o dinheiro ao Estado.

Mas essa devolução será a muito longo prazo. Já este ano, o Governo acordou que os bancos poderão pagar essa dívida em contribuições regulares anuais até 2046.

E as responsabilidades do Estado poderão não ficar por aqui. Uma das condições da venda ao Lone Star implica que, durante oito anos, o Fundo de Resolução terá de compensar o Novo Banco por perdas de capital resultantes de um conjunto de ativos 'tóxicos', no máximo de 3,89 mil milhões de euros.

Uma vez que não deverá ter dinheiro para injetar no Novo Banco, caso precise, o Fundo de Resolução poderá ter de voltar a pedir um empréstimo ao Estado.

Por fim, o Estado português poderá ainda ser chamado colocar mais dinheiro no Novo Banco, caso o banco precise de capital “em circunstâncias adversas” e não haja investidores dispostos a recapitalizá-lo, segundo o acordo entre o Estado português e a Comissão Europeia pela qual Bruxelas deu ‘luz verde’ ao plano de reestruturação do Novo Banco.

Quanto ao novo dono do Novo Banco, a Lone Star é uma gestora de fundos de 'private equity' norte-americana, que investe em diversos setores de atividade (como o imobiliário e a recuperação de crédito, além da própria banca) em diferentes geografias. Em Portugal, a entidade é a dona de quatro centros comerciais Dolce Vita (Porto, Coimbra, Vila Real e Lisboa) e de um empreendimento de Vilamoura (marina e terrenos), que está em processo de venda, segundo a imprensa.

A Lone Star comprou em Outubro 75% do Novo Banco, mantendo o Fundo de Resolução os restantes 25%.

A compra do Novo Banco não implicou o pagamento de qualquer preço, tendo o Lone Star acordado injetar 1.000 milhões de euros no Novo Banco para o capitalizar.

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