Saleh traiu-se a si próprio e minou ainda mais a guerra do Iémen

O ex-Presidente foi assassinado pelos houthis, que o acusam de traição por tentar aproximar-se de Riad.

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Combatentes houthis celebram a morte de Saleeh em Sanaa Reuters/KHALED ABDULLAH
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Saleh governou o Iémen durante 33 anos EPA/YAHYA ARHAB
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Militante houthi celebra morte de Saleh,Militante houthi celebra morte de Saleh Reuters/KHALED ABDULLAH,Reuters/KHALED ABDULLAH
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Combatentes houthis em Sanaa EPA/YAHYA ARHAB
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Reuters/KHALED ABDULLAH

Quando era questionado sobre a longevidade do seu poder num país tão dividido como o Iémen, o ex-Presidente Ali Abdullah Saleh descrevia os seus 33 anos de governação como uma “dança em cima da cabeça de serpentes”. A imagem demonstra bem os perigos ligados ao seu percurso, marcado por alianças frágeis e riscos calculados, que chegou ao fim esta segunda-feira de forma trágica.

Poucos dias depois de ter anunciado a sua derradeira jogada, Saleh foi morto durante um ataque dos rebeldes xiitas houthis, de quem era aliado até à semana passada. Segundo fontes do grupo rebelde, a comitiva onde Saleh seguia em Sanaa foi atingida por um morteiro e o ex-Presidente de 75 anos foi abatido a tiro.

O destino do homem que governou o Iémen durante 33 anos começou a ser selado durante o fim-de-semana, quando enterrou de vez a débil aliança de conveniência entre o seu movimento e os houthis. No sábado, Saleh apareceu em público pela última vez para culpar os seus antigos aliados pela guerra no país e a pedir uma “viragem de página” nas suas relações com a Arábia Saudita em troca do fim dos bombardeamentos e do bloqueio imposto à população civil.

“Peço aos irmãos dos países vizinhos e à aliança para que travem esta agressão, levantem o cerco, abram os aeroportos e permitam a chega de comida e ajuda para salvar os feridos”, disse Saleh num discurso na televisão.

A fragilidade da aliança entre Saleh e os houthis – maioritariamente zaiditas, um ramo do islão xiita – nunca foi um segredo, mas as fissuras aprofundaram-se na semana passada, especialmente em torno do controlo sobre partes de Sanaa.

Pressionado pelas Primaveras Árabes do Médio Oriente para pôr fim à sua ditadura de 33 anos, foi forçado a abandonar o poder em 2012 e cedeu o seu lugar ao vice-presidente, Abd-Rabbu Mansour Hadi, que teve o apoio das potências regionais árabes e dos Estados Unidos. Descontentes com o sistema federal proposto em 2015, os houthis lançaram uma forte ofensiva militar contra Hadi – com apoio do Irão e do grupo terrorista xiita Hezbollah, segundo Riad – e conseguiram tomar Sanaa e grande parte do país. Ao mesmo tempo, Saleh e o seu círculo próximo viram no derrube de Hadi uma oportunidade para regressarem ao poder e acertaram uma aliança de conveniência com os rebeldes.

Os custos humanos do conflito, em que já morreram mais de dez mil pessoas e causou uma epidemia de cólera, acentuaram-se com a intervenção directa de uma coligação liderada pela Arábia Saudita, com apoio norte-americano, cujos bombardeamentos são responsáveis pela morte de milhares de civis. Para Riad, a prioridade passou a ser impedir a chegada ao poder de um grupo que diz estar ao serviço do Irão – principal rival dos sauditas pela hegemonia regional.

Houthis mais unidos

A morte de Saleh trouxe alguma acalmia à capital, palco de violentos confrontos nos últimos dias entre os houthis e os seguidores do antigo Presidente, e também de bombardeamentos aéreos da coligação liderada pela Arábia Saudita. A Cruz Vermelha revelou que mais de 125 pessoas foram mortas desde quarta-feira e que os civis viram-se com acesso reduzido a água, cuidados de saúde, comida e combustível.

Porém, o conflito que tornou o Iémen na “pior crise humanitária” no planeta, segundo a ONU, não deverá descer de intensidade após a morte de Saleh. “Apenas podemos ter a certeza que os houthis estão agora unidos sob a mesma liderança”, disse à Al-Jazira o chefe de redacção do jornal Yemen Post, Hakim al-Masmari.

Outro dos grandes riscos é a abertura de uma nova frente de violência entre os apoiantes do ex-Presidente e os houthis. “As suas gentes vão estar furiosas, e muitos irão sair à procura de sangue”, diz à Reuters o analista do European Council on Foreign Relations, Adam Baron. “Mas há também muitos que se posicionam no meio, especialmente entre as tribos que se vão alinhar com quem parecer mais forte”, acrescenta.

O líder houthi, Abdul Malik al-Houthi, saudou a morte de Saleh como um "dia grande, excepcional e histórico", acusando-o de “conspiração” e “traição”, mas prometeu não procurar vingar-se dos apoiantes do ex-Presidente iemenita.

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