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"Será fácil reduzir o novo episódio das rendas da energia a mais uma decisão polémica de António Costa a juntar à lista das dos últimos meses."

O volte-face que se observou no Parlamento com o chumbo de uma taxa sobre as rendas das renováveis suscita várias questões sobre o que os políticos, Parlamento e Governo, querem mesmo do sector da energia e dos consumidores. À sexta, a maioria de esquerda aprova, à segunda, a minoria de esquerda com a ajuda da direita reprova. Com a novidade de um deputado socialista, membro da comissão política nacional do partido e ex-membro da administração da entidade reguladora da energia (ERSE), ter votado contra a própria reprovação. 

Lá longe, a Costa Rica conseguiu ao longo de 2017 assegurar 300 dias de consumo de electricidade, recorrendo apenas às energias renováveis. Nos últimos dois anos, já tinha conseguido resultados próximos. Portugal garantiu electricidade completamente renovável durante quatro dias e meio, consecutivos, em 2016, ampliando-se a ideia de país-campeão de energia limpa — um soundbite a cair para a frase publicitária, que Al Gore usou na Web Summit. Em 2017, já quase 11 meses concluídos, não houve sequer um único dia isolado em que tenha repetido o número, quanto mais dias seguidos. Apenas horas.

Não há muitas semanas o Governo de António Costa comprometeu-se com um roteiro de neutralidade carbónica do país até 2050, significando que tem de ter, por essa altura, capacidade de compensar totalmente as suas emissões de dióxido de carbono. Para a verificação internacional do que andam os países a fazer com os seus compromissos de resposta às mudanças climáticas, o que interessa é a tendência dos últimos anos, pelo que os valores de 2017, para Portugal, terão um aspecto menos preocupante do que tomado isoladamente. Mas o que define a tendência não será apenas a quantidade de chuva, sol e vento, mas sobretudo o impacto das medidas que os governos têm e terão de tomar ao longo dos anos para atingir os objectivos.

Será fácil reduzir o novo episódio das rendas da energia a mais uma decisão polémica de António Costa a juntar à lista das dos últimos meses. Se os objectivos para daqui a 10 a 30 anos já eram ambiciosos no anterior Governo, António Costa elevou a fasquia. Mas a forma como o assunto tem sido tratado desde os tempos da troika tem sido pouco convincente quanto à capacidade de os governos levarem a sério o que prometem. Abrem brechas com demissões como aconteceu no passado, recuam ou hesitam como se viu nesta sexta-feira. Entre as críticas ao grande poder económico das empresas da energia, especialmente a EDP, o debate político vai deixando instalar a ideia de que nesta música, boa ou má, o legislador e o regulador se demitem de dirigir a orquestra. Assim, é difícil confiar.

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