Justiça e política na Catalunha

Ao radicalismo da acusação acrescente-se a desproporcionalidade da moldura penal, que pode implicar 30 anos de cadeia por algo que pode ser encarado como crime, mas também como um delito de opinião. Ou não?

A possibilidade de condenar alguém por crimes de sedição ou rebelião é uma especificidade legal espanhola — um anacronismo de utilidade política num crescendo de radicalização entre o Governo de Madrid e as autoridades catalãs. Não há nada semelhante no Código Penal português, embora nele esteja incluída a figura dos crimes contra o Estado, caso os mesmos impliquem o incitamento à guerra civil, à alteração violenta do Estado de Direito ou o incitamento à desobediência colectiva. Aqueles dois crimes não figuram sequer na listagem de delitos europeus comuns aos países da União Europeia. Essa particularidade catalã será posta à prova na Bélgica, com o mandado de detenção de Carles Puigdemont, porque, apesar das tendências separatistas flamengas, tal excentricidade não está prevista.

Para tornar a acusação menos abstracta, àqueles dois crimes acrescenta-se a acusação do “desvio de fundos” para a campanha pelo referendo sobre a independência (e consequente preparação da implantação da república), quando aquele delito está mais próximo do peculato e da corrupção do que da organização de uma consulta popular. E o que se passou na Catalunha nos últimos meses não foi a tomada da Bastilha de 1789 nem a Semana Trágica de 1909, uma greve geral barbaramente reprimida na Catalunha. Não ocorreu nenhum tumulto contra a paz pública que possa ser invocado para justificar aqueles crimes e a drástica aplicação de medidas como a prisão preventiva, como aconteceu a membros de associações independentistas e a ex-membros de um Governo eleito. E ao radicalismo da acusação acrescente-se a desproporcionalidade da moldura penal, que pode implicar 30 anos de cadeia por algo que pode ser encarado como crime, mas também como um delito de opinião. Ou não?

O imbróglio está criado, as eleições marcadas para 21 de Dezembro – um acto eleitoral que deveria ter sido convocado por Puigdemont — e não há um desfecho previsível. A campanha reunirá todos os condimentos para agravar o conflito: desde saber se os candidatos presos farão campanha em liberdade ou a partir da prisão até às suspeitas de interferência russa. Neste ponto, o sistema político e judicial estão tão enredados que permitem questionar a lisura do processo. Como escreveu Pedro Bacelar de Vasconcelos, confunde-se a Constituição com o Código Penal e as divergências políticas com os crimes comuns. 

 

 

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