Costa acredita no “retomar” das boas relações e Marcelo diz que não mudou

No day after sobre os choques cruzados — do Governo, do Presidente, do país —, os dois protagonistas não negam a crise, mas afirmam o seu optimismo no regresso à normalidade. Ainda com algumas farpas.

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Costa diz ter “nervos de aço”. Ninguém nega que Governo tinha informado Presidente sobre passos a dar SÉRGIO AZENHA/LUSA

De um lado chove a cântaros, do outro há um alerta para alta temperatura e risco elevado de mais incêndios. Nesta sexta/feira, um dia depois de o PÚBLICO noticiar que o Governo tinha ficado “chocado” com a comunicação presidencial sobre as tragédias de Outubro, atendendo a que o chefe de Estado tinha sido posto a par das medidas que o executivo preparava, Marcelo Rebelo de Sousa — que já tinha respondido que “chocado ficou o país” — deitou uma pá de terra sobre as cinzas. Mas não sem avisar, a partir dos Açores, que visita desde quarta-feira, que não vai mudar, nem ele, nem a sua leitura da Constituição e dos poderes presidenciais.

No continente, António Costa usava a táctica fogo contra fogo, dizendo ter “nervos de aço” e dizendo desejar que fossem “retomadas” as excelentes relações institucionais entre Belém e S. Bento.

“Tenho nervos de aço e sou um optimista, às vezes irritante, mas sempre optimista”, disse em Aveiro António Costa, quando questionado pelos jornalistas sobre se já estava recuperado do choque com as palavras escolhidas pelo Presidente da República, na comunicação que fez ao país no dia 17, exigindo um pedido de desculpas e responsabilidades políticas ao Governo, precipitando a demissão da ministra da Administração Interna.

Em Ponta Delgada sob alerta laranja, Marcelo Rebelo de Sousa respondia a António Costa num tom parecido: “O meu estado de espírito é sempre o mesmo, eu sou um optimista realista, comecei assim o mandato e termino assim o mandato.”

A tensão estava, portanto, confirmada pelos protagonistas, mas os dois assumidos optimistas acreditavam que as relações se haviam de normalizar, até porque não podia ser de outra maneira. Diz o primeiro-ministro: “Tenho a certeza de que vamos retomar todos e prosseguir o que os portugueses têm apreciado muito, por parte do Presidente da República, da Assembleia da República, da parte do Governo, que é um excelente esforço de cooperação institucional. E que aquilo que tem corrido bem nestes últimos anos não vai deixar de correr bem.” Do lado do Presidente da República a manutenção do Governo nem é o mais importante, antes está o país. “Tenho a mesma exigência [de sempre]”, disse. Mas hierarquizou as prioridades: “Primeiro, procurar compromissos nacionais de regime; segundo, que o Governo seja forte e governe e dure a legislatura; terceiro, que a oposição seja forte e constitua uma alternativa, para o caso de os portugueses, no momento das eleições, que decorrem ainda durante o mandato presidencial, quererem escolher uma outra solução de governo.”

Primeiro o país, insistiu mais tarde o Presidente, quando questionado sobre as palavras de António Costa. “O que interessa aos portugueses agora são, não palavras, mas factos: é tratar das vítimas da tragédia para não haver mais tragédia nenhuma. É isso que interessa, não é ‘diz que disse,’ não é bate-papo, é factos.” Sobre o papel do Presidente da República no novo ciclo que ele próprio anunciou Marcelo já antes tinha deixado o aviso: “Eu não mudo, eu sou — por detrás de uma aparência de uma pessoa serena e tranquila, que sou — muito determinado. Não vai haver mudanças.”

Antes de o primeiro-ministro falar, até parecia que o Governo tinha alinhado com o Presidente e que a ordem era para travar a fundo, na escalada do “bate-papo”. No Parlamento, logo de manhã, Eduardo Cabrita, o novo ministro da Administração Interna, muito próximo do primeiro-ministro, fazia esta proclamação em jeito de apelo: “Portugal não admitirá que em torno desta tragédia nos dividamos.”

“É isso mesmo que tenho dito, tenho apelado a um consenso, a um pacto de regime sobre essa matérias”, rejubilou Marcelo Rebelo de Sousa nos Açores.

Por seu lado, o ministro dos Negócios Estrangeiros, número dois do Governo, dizia à agência Lusa algo que ia ao encontro do que dissera na véspera o Presidente da República. “O único desconforto que o Governo sente é o desconforto que o país inteiro sentiu com o facto de ter sido atingido este ano por condições climatéricas absolutamente excepcionais e de o seu sistema de Protecção Civil não ter estado à altura na resposta a essas condições e o resultado ter sido tragédias, vidas humanas e muitos bens perdidos”, disse Augusto Santos Silva.

Numa semana em que Presidente e primeiro-ministro não se reuniram, devido à visita do primeiro ao Grupo Oriental dos Açores, as relações ficaram em stand-by. Serão retomadas na segunda-feira, na reunião do Conselho de Estado com a presença do presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, na qual os incêndios e as suas consequências — para o país e para o défice — serão tema incontornável.

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