Costa e a sua circunstância

Soares e Costa marcam dois tempos que ficarão na História democrática com o ferro do PS.

1. Os socialistas como eu devem um pedido de desculpas a António Costa. A solução que escolheu em outubro de 2015, por muito que custe, resultou.

Os crentes dirão que Deus esteve com ele, ele dirá que foi a intuição, a autoconfiança e a sorte. Talvez se possa continuar a dizer que Deus lhe deu intuição, confiança e sorte de sobra para negar o enorme risco em que colocou o PS e o país no início desta aventura.

Augusto Santos Silva, que sempre antecipa leituras num verdadeiro espírito intemporal do enredo de The young pope, disse-nos há uns meses que Costa estava próximo de Mário Soares na tabela dos maiores políticos da 3.ª República. Muitos se negaram a ver ou antecipar o que continha essa consideração, mas hoje está clara, em todos os espíritos, a sua dimensão.

Mário Soares asseverou a leitura pluralista, democrática e livre do regime saído de Abril; Costa consagrou essa visão pluralista, democrática e livre na afirmação de um sistema político integral onde todos podem servir a governação. Soares e Costa marcam dois tempos que ficarão na História democrática com o ferro do PS.

Se Soares e Costa são os dois maiores políticos do regime, não está ainda concretizado o tempo em que Costa figurará na tribuna dos grandes chefes de governo. Nesse pódio, com todos os amores e ódios, só estão, para já, Cavaco e Sócrates. É por isso que importa atribuir a Costa, em 2019, os meios certos para abrir as portas do Portugal do século XXI, as portas da criatividade, da mobilidade, da flexibilidade, da inteligência, da equidade e da liberdade.

Esse tempo, depois de 2019, pode ser feito com a esquerda ou com a direita, confirmando o PS como o partido de esquerda que ocupa o centro. Também pode ser feito não esquecendo ambas, mas seguindo um caminho sem sobressaltos, o que seria bom para a confirmação das políticas de compromisso que importa fazer. Costa nunca pedirá maioria absoluta, mas terá que ser o PS, cada um dos seus militantes, a pedi-la. Para que se avance mais rápido e para que se equilibre, sempre, o esforço entre crescimento e boas contas.

2. O PS ganhou as eleições autárquicas de forma estrondosa. Contribuiu o rural PSD, colaborou o centrismo do discurso, foi essencial a soma dos dois PS’s que existem no PS.

Há quem não queira ver, mas o PS são dois — um de uma certa cultura distante e impenetrável, que se esquece, por vezes, dos países que existem dentro do retângulo; o outro, o PS que sabe usar o punho sem falar na dicotomia esquerda/direita, que ensanguenta os adversários com uma insondável inteligência prática. O PS dos concelhos sabe que se faz PS insistindo nos que não são PS, que olham as coisas simples da vida como a segurança, a confiabilidade, a proximidade. E esse PS revelou-se este domingo.

Esta leva de autarcas vai sofrer com a descentralização que aí vem. Esse processo é perigoso porque pode ser pensado para os grandes e médios municípios, porque pode fazer quebrar a solidariedade entre poder central e local com a transferência automática de recursos financeiros. Logo veremos!

Mas os autarcas de hoje vão ter que pensar de forma mais profunda, sair do seu espaço e reganhar dimensão simbólica nacional. As autarquias portuguesas devem pensar em obter uma licença para a criação do Banco Nacional dos Municípios, uma licença de exercício da atividade seguradora que possa encontrar especificidades nas ofertas territoriais; uma licença para a criação do canal cabo TV Municípios que vença o centralismo informativo dos canais nacionais; uma representação permanente em Bruxelas que exerça influência permanente.

Para além disso, interessa que a Associação Nacional de Municípios se esforce no sentido da sua modernização. Os seus quadros não podem ser escolhidos numa visão conservadora do poder local.

Nestas eleições nasceram novos autarcas que vão dar que falar. O novo presidente da Câmara de Chaves será, sem qualquer dúvida, o melhor exemplo disso. Mas há dois reeleitos que marcarão o futuro dos municípios — Rui Santos (autarca de Vila Real e forte candidato a presidir aos destinos da ANMP) e Miguel Alves (autarca de Caminha e mais provável presidente dos autarcas socialistas). Olho neles. Porque ambos são difíceis de roer e, com paciência e ponderação, podem surpreender-nos. Deputado do Partido Socialista

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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