Pedrógão numa luta entre dois homens e dois poderes

Há adversários e há inimigos. Em Pedrógão Grande a luta autárquica faz-se de ex-amigos e nem os incêndios deram tréguas.

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Valdemar Alves, candidato do PS à Câmara Municipal de Pedrogão Grande, em campanha na freguesia da Graça Adriano Miranda/Público
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João Marques, candidato do PSD à Câmara Municipal de Pedrogão Grande, em campanha no lugar de Escalos Fundeiros Adriano Miranda/Público
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O fim de semana estava frio e esta poderia ser uma metáfora para o clima entre os dois candidatos à Câmara de Pedrógão Grande, pelo PS e pelo PSD. Não se suportam. Um tem ar bonacheirão, o outro mais fanfarrão. Um chega a uma festa cheia de gente como se fosse uma festa de família, o outro chega a um mercado quase vazio e fala com o coração. Um foi presidente durante 16 anos, o outro é presidente há quatro. São dois homens em confronto — e confronto é mesmo a palavra para uma campanha que tem sido crispada — numa terra ainda a lamber as feridas de uma tregédia. Aproveitamento político? Nenhum o admite, mas ambos acusam o adversário de aproveitar as funções que exerce para retirar ganhos políticos depois dos incêndios. Um é o actual autarca, Valdemar Alves, o outro é João Marques, provedor da Santa Casa e director da escola tecnológica.

A confusão político-partidária explica-se assim: Valdemar Alves, presidente eleito pelo PSD, vai ser candidato pelo PS, depois de guerras sucessivas com João Marques, ex-presidente impedido de se candidatar em 2013, que agora quer voltar à autarquia. O ex-autarca não lhe saiu da sombra e partiu o partido, que o escolheu como candidato. E os pedroguenses têm de votar ou no ex-presidente ou no homem que ele escolheu para o substituir e é nesta guerra pessoal entre os dois que se desenha uma campanha cheia de acusações de mentiras, traições, aproveitamentos e medos.

"Fui maltratado. Ele foi presidente 16 anos e foi-me buscar. Eu vivia entre Pedrógão e Lisboa, onde fui inspector da judiciária durante 36 anos. As pessoas alertavam-me que ele só queria que eu fosse presidente quatro anos. Eu não queria acreditar, mas ele começou logo a dizer mal de mim", é assim que Valdemar Alves explica a ruptura de uma amizade política que durava há largos anos, isto porque antes de concorrer à câmara, foi membro da Assembleia Municipal. João Marques tem uma visão diferente. "Diz que o fui buscar para se passar por coitadinho. Eu candidato-me porque não concordo com a actual gestão, considero-a fraca. Foi um erro de casting”. E depois entra o partido. “Fez traições sucessivas ao partido, quando apoiou Sampaio da Nóvoa e António Costa, atacou os resultados do executivo anterior do PSD e as instituições do concelho com alguma ligação ao partido, como a escola, a Santa Casa da Misericórdia e os bombeiros". Curiosamente, ou talvez não, é Marques o director da escola tecnológica e o provedor da Santa Casa, que diz terem sido ameaçadas pelo presidente. 

Mas as tricas entre os dois revestem-se de casos concretos. Valdemar Alves abriu no domingo, dia 17, o mercado na freguesia de Vila Facaia, uma obra com cartaz à porta dando conta do investimento camarário, caso que foi parar à Comissão Nacional de Eleições, numa queixa feita pelo PSD. Passeou-se por um mercado quase deserto, em dia de festa solidária com as vítimas dos incêndios. Foi à missa pelas vítimas, falou com quem o abordou e foi embora ainda não eram 11 da manhã. Passadas poucas horas, já com Ágata no palco e à espera de Mónica Sintra, foi a vez de João Marques ir exactamente ao mesmo local, de onde é natural. Nenhum fez campanha nesse dia, no sentido habitual de campanha, mas os incêndios não foram razão para tréguas e ambos acusam o adversário de aproveitamento.

“O incêndio mexeu muito com isto. Tem havido aproveitamento político e pessoal. Eles dizem que quando estava tudo a arder já eu andava em campanha, quando a minha vida era ter de estar no posto de comando e no gabinete de crise”, lamenta Valdemar Alves em conversa com o PÚBLICO em Vila Facaia, uma das aldeias mais fustigadas pelo incêndio de Junho. Marques contrapõe: “Os incêndios foram politizados, a mim não me ouve falar dos incêndios, ouve-me sim falar do trabalho que a misericórdia faz para ajudar as pessoas”.

Os dois poderes, da câmara e da misericórdia, embatem depois da tragédia e é aqui que entra uma das principais polémicas que paira sobre a campanha: os donativos. Valdemar Alves, em conjunto com os dois autarcas de Figueiró dos Vinhos e de Castanheira de Pêra, tem questionado o destino dado ao dinheiro que não está no Revita, o fundo gerido pelo Estado. Sem nunca falar da misericórdia, os autarcas admitiram pedir ajuda ao Ministério Público para saberem como e onde param os donativos. Uma suspeita que caiu mal ao provedor-candidato, que acusa Valdemar de não dar conta do dinheiro que a própria câmara recebeu: “Por que não está o valor no portal do Revita?” [à data da reportagem].

Mais do que o dinheiro, a campanha autárquica entrou pelos incêndios adentro quando Passos Coelho falou na existência de suicídios na zona, um boato que corria e que lhe tinha sido sussurrado por João Marques. “Esturriquei-me completamente. Como é que podem dizer que foi aproveitamento da minha parte? Houve mais impacto fora, em Pedrógão houve um ou outro oportunista miserável que resolveu aproveitar-se”, contou ao PÚBLICO, numa clara referência ao autarca da vila. Valdemar Alves, por sua vez, quando questionado sobre o impacto dessas declarações, acredita que Marques contou a Passos para que passasse a ideia que “isto estava muito mal, mas aquilo não se faz, não se pode fazer”. Foi um “aproveitamento para tentar dominar as pessoas pelo medo”.

Numa campanha, raras são as vezes em que não entram dois ingredientes: o medo e as referências a tempos da ditadura. Mesmo numa terra sofrida, à distância de três meses de uma tragédia, nenhum dos dois poupa os pedroguenses desses dois discursos. Um de cada lado.

O medo. Essa palavra que Valdemar usa para descrever algumas das actuações do adversário. “Vais na lista do Valdemar? Não te esqueças que trabalhas na Santa Casa”, revelou uma conversa que uma das suas apoiantes ouviu. “Vamos acabar com o medo em Pedrógão!”.

Salazar. Essa comparação que Marques usa para se referir à gestão do presidente e deverá ser dos únicos candidatos que se queixa de a câmara a que se candidata ter dinheiro: “Tem dois milhões parados no banco, depois de fazer umas obrazinhas em quatro anos. É uma gestão salazarenta de quem quer pôr o dinheiro debaixo do colchão”.

Entre os dois há ainda uma escola que os separa: a Escola Tecnológica e Profissional da Zona do Pinhal, que é detida em 49% pela câmara e 51% pelos bombeiros, e dirigida por João Marques desde que saiu da autarquia. Marques dá a entender que Valdemar quer fechar a escola, Valdemar diz que isso é “uma mentira”. Ora a escola está em falência e o presidente mandou fazer uma auditoria às contas. Para sobreviver, precisa de pagar dívidas e injectar capital e com isso quer reverter os poderes na escola, ficando a câmara com 51% e passando a mandar na escola que agora é dirigida por Marques. Para isso pondera até recorrer ao Ministério Público.

Esta é uma “campanha de boatos”, lamenta o socialista e uma campanha “crispada”, desabafa o social-democrata. Terminará no dia 1. Resta saber se o resultado vai acabar com a guerra entre estes dois homens.

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