Um novo modelo de supervisão financeira

Mais decisivo que a arquitectura do sistema, é o modo de efectivar a supervisão. É necessário que a sua actuação não seja apenas reactiva, formalista e procedimental, mas sobretudo preventiva, dissuasora e repressiva.

Está em discussão pública uma proposta para um novo modelo de supervisão financeira. Já em 2009 houve um projecto, abortado. Então, os partidos quase ignoraram o assunto. Os media, em geral, preferiram temas mais actualistas e ligeiros. Bem sei que o tema não é excitante e envolve conhecimentos que não estão ao alcance da maioria das pessoas. Só se fala da supervisão quando há falhas ou na esteira de casos de irregularidades e fraudes. Porém, agora e comparativamente com 2009, muita coisa mudou, ganhou-se experiência e ter-se-á aprendido com erros cometidos e o contexto da supervisão a nível europeu foi alterado.

Actualmente temos uma supervisão tripartida: Banco de Portugal (BdP), Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (nome pomposo para o antes chamado Instituto de Seguros de Portugal) e CMVM.

A proposta apresentada mantém o modelo tripartido, o que me parece preferível ao sugerido em 2009 (duas entidades), ainda que, na minha opinião, fosse preferível o de uma só entidade distinta do Banco central (paradigma mais frequente na Europa, sobretudo nos países do Norte e Centro) e onde não haja “sectores de primeira” e “sectores de segunda”. Seria potencialmente mais eficaz, evitaria lacunas e sobreposições e permitiria uma mais global e integrada supervisão do sistema financeiro alargado.

Está prevista a criação de duas novas entidades independentes – Conselho de Supervisão e Estabilidade Financeira (CSEF) e Conselho Superior de Política Financeira (CSPF) –  para a supervisão macro prudencial (leia-se estabilidade do sistema financeiro) e para a resolução bancária, substituindo Conselhos ora existentes. Segundo o MF, a primeira destas entidades terá na sua administração as três autoridades de supervisão, mas será presidida por pessoa independente.

Deste modo, o BdP deixará de ter competências, designadamente como autoridade de resolução e relativamente à venda de veículos de transição ou de activos bancários. É uma alteração correcta, não só pela manifesta falta de vocação do banco central para estas funções, como porque, directa ou indirectamente, estão em causa situações que acabam por gerar custos para os contribuintes.

Há, ainda, a proposta para alterar a nomeação do governador do BdP, que passaria a ser feita pelo Presidente da República, sob proposta do Governo e com audição (vinculativa) da AR. Recordo que já Cavaco Silva havia sugerido esta pertinente alteração em 2015, sem que, na altura, se lhe desse a devida importância. Concordo com o proposto, excepto no carácter vinculativo da audição parlamentar.

Três notas finais: 1) as chamadas autoridades ou entidades independentes sofrem de um pecado original: o da designação dos seus dirigentes, não raro, numa lógica de mera reprodução da expressão partidária. A sua independência acaba por ser mais formal que substantiva. Não estará em causa o valor das pessoas, mas, de facto, exercem os seus mandatos sob este “handicap” tutelar. A real autonomia destas entidades face ao poder executivo e administrativo é condição imprescindível para a sua respeitabilidade institucional e para a credibilidade das suas acções e decisões; 2) o perímetro de supervisão deve ser alargado a outros produtos, instituições, mercados e veículos financeiros. Afinal, na origem de irregularidades tem estado quase sempre uma escapatória de entidades fora da vigilância de supervisão; 3) por fim, não basta mudar a estrutura orgânica. Mais decisivo que a arquitectura do sistema, é o modo de efectivar a supervisão. É necessário que a sua actuação não seja apenas reactiva, formalista e procedimental, mas sobretudo preventiva, dissuasora e repressiva. As crises que tivemos pela frente são a prova disso.

 

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