A informação ou a falta dela é um pormenor maior

Em matéria de informação sobre Segurança Social estamos longe de ser uma sociedade plenamente evoluída.

Têm surgido, recorrentemente, dúvidas sobre o funcionamento do Sistema de Segurança Social, na medida em que ao sistema estão atribuídas diferentes funções às quais correspondem objectivos distintos, sendo diferentes os mecanismos de gestão e as fontes de financiamento que lhe estão associadas.

A nossa Segurança Social assenta em três pilares distintos: Sistema de Protecção Social de Cidadania, Sistema Previdencial e Sistema Complementar. Coloquemos em foco os dois primeiros daqueles pilares aos quais estão atribuídas funções que obedecem a lógicas de protecção social e de financiamento diferentes. São distintos os deveres e os direitos que recaem sobre os beneficiários, assim como são distintas as obrigações da Segurança Social. São distintos os impactos sociais e económicos, em termos de finanças públicas e os seus efeitos temporais. Que funções são estas?

  • Função redistribuição – concretizada através do Sistema de Protecção Social de Cidadania. Abrange todos os cidadãos. Tem por objectivo garantir direitos básicos dos cidadãos, em situação de falta ou insuficiência de recursos económicos. O financiamento é assegurado através dos impostos. Configura um regime não contributivo. Complementos sociais e pensões sociais dos regimes contributivos e não contributivos, abono de família, rendimento social de inserção, subsídio social de desemprego, complemento solidário para idosos e apoios no domínio da acção social são algumas das prestações sociais abrangidas.
  • Função seguro social – concretizada através do Sistema Previdencial. Abrange os trabalhadores por conta de outrem e trabalhadores independentes, funcionários públicos admitidos na Administração Pública depois de 2005 e os trabalhadores do sistema bancário a partir de 2011. Tem por objectivo substituir o rendimento do trabalho perante situações de perda desse rendimento. O financiamento processa-se em regime de repartição contemporânea (pay as you go), isto é, através das quotizações dos trabalhadores e das contribuições das entidades empregadoras. Configura um regime contributivo. A lei prevê que pode haver transferências do Orçamento do Estado — como tem vindo a acontecer, devido à insuficiência das quotizações e contribuições. O crescente recurso aos impostos perverte, no entanto, o princípio da contributividade ao acentuar a componente não contributiva. A lei prevê, também, a utilização dos recursos financeiros do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS) — o que até hoje não aconteceu. Em 2017, foi criada uma nova fonte de financiamento do FEFSS, o Adicional do IMI. Pensões de reforma (velhice), invalidez e sobrevivência, subsídio de desemprego, subsídio de doença e subsídios de maternidade/paternidade/adopção são alguns dos benefícios abrangidos.

Muitas das dúvidas sobre a execução destas funções, que extravasam a dimensão financeira, prendem-se com a falta de um sistema de informação que disponibilize os dados físicos e financeiros: segregados por funções e com um nível de desagregação adequado ao conhecimento claro e completo sobre o que faz a Segurança Social e como o faz.

Falta o sistema e falta a sua divulgação. O resultado desta insuficiência, que se arrasta há anos, impede o escrutínio institucional, político e público e prejudica o trabalho das academias. A disponibilização de dados físicos e financeiros de qualidade — leia-se claros, rigorosos, completos e consistentes — e, bem assim, a sua acessibilidade atempada e regular apresentam-se crescentemente críticos. O exercício da responsabilidade individual e colectiva sai diminuído e a qualidade das políticas públicas sai empobrecida na ausência de transparência. É, a bem dizer, o futuro que se complica.

Este quadro é válido na gestão orçamental de curto prazo, a qual corresponde ao exercício anual de elaboração do Orçamento do Estado, especialmente impactado pela conjuntura económica, e respectivo acompanhamento em termos da sua execução.

É também válido na gestão financeira do próprio Sistema Previdencial em que a taxa contributiva (TSU) financia um conjunto de prestações sociais com perfis de risco muito distintos — por exemplo, o subsídio de desemprego é uma contingência imediata, enquanto uma pensão é uma responsabilidade de longo prazo —, permitindo-se a subsidiação cruzada entre os mesmos. Recorde-se que a taxa contributiva não é uma taxa actuarial que garante o equilíbrio financeiro entre receitas e despesas.

Quando olhamos para a gestão das responsabilidades de médio e longo prazo — onde se destacam as pensões, especialmente dos regimes contributivos —, é evidente a insuficiência de informação que está na base das projecções apresentadas. É desejável a adopção de algumas boas práticas que promovam a transparência, a robustez dos dados e dos estudos e o escrutínio público.

Neste sentido, a Segurança Social deveria apresentar um orçamento próprio anual e plurianual — fazendo parte integrante do Orçamento do Estado — com a fundamentação das opções políticas sectoriais e o desenvolvimento analítico das previsões financeiras por funções — distinguindo a função redistribuição e a função seguro social.

Um cuidado particular deveria ser colocado no tratamento da rubrica pensões — separando as pensões dos regimes contributivos e as pensões dos regimes não contributivos — sem perder de vista a necessidade de se dispor de uma “fotografia” global. Estas abordagens desagregadas deveriam permitir conhecer claramente as populações beneficiadas e como se relacionam com ambos os regimes — por exemplo, há pensionistas que beneficiam de vários regimes em simultâneo — e as fontes e necessidades de financiamento.

O trabalho do controlo de execução orçamental necessita de dados físicos e financeiros de qualidade e acessíveis. Falta um sistema de informação que responda satisfatoriamente.

Esta actividade ganha em ser realizada por entidade independente com competências e recursos adequados para o efeito. O Conselho de Finanças Públicas tem vindo a trabalhar neste domínio com a publicação periódica de relatórios de análise. Mas há ainda muito caminho para fazer. Sem a disponibilização adequada da “matéria-prima”, constituída pelos dados, tudo o que se faça tem a etiqueta de superficial.

O investimento num sistema de informação (data center) afigura-se estratégico. A qualidade da recolha, do tratamento e da produção de micro dados e macro dados é essencial para apoiar a decisão política e dar suporte à actividade estatística e ao trabalho do controlo de execução orçamental. Como acontece em muitos outros países, é essencial que as academias tenham acesso, com base em critérios adequados de segurança e utilidade, a dados que lhes permitam fazer estudo e investigação.

Os sistemas de pensões necessitam de ser regularmente avaliados. O processo de revisão deve ser transparente, os pressupostos actuariais e financeiros assumidos devem ser realistas e os resultados devem ser comunicados, em tempo útil e de forma clara, às partes interessadas. A evolução e os desvios das projecções devem ser justificados.

Neste contexto, a criação do Actuário Chefe da Segurança Social seria um avanço necessário. Esta entidade teria um estatuto de independência, seria responsável pelas avaliações actuariais e projecções financeiras das responsabilidades de longo prazo — pensões públicas —, competindo-lhe elaborar cenários e estudos de sustentabilidade financeira, realizar pesquisas actuariais e demográficas e fazer recomendações sobre os planos de pensões e a adequação dos seus níveis de financiamento.

A informação rigorosa e transparente é apanágio das sociedades mais evoluídas; em matéria de informação sobre Segurança Social estamos longe, porém, de ser uma sociedade plenamente evoluída.

CIDADANIA SOCIAL - Associação para a Intervenção e Reflexão de Políticas Sociais - www.cidadaniasocial.pt

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