O seguro florestal enquanto instrumento de gestão de risco das florestas

A gestão do risco no âmbito da actividade agrícola/florestal assume uma importância crescente num contexto da globalização, preocupações ambientais e alterações climáticas.

Num ano já tragicamente fatídico em termos de perdas de vidas humanas e de destruição da floresta, da biodiversidade e do meio rural, onde escasseiam as explicações e o apuramento de responsabilidades para as causas e consequências do número e intensidade dos fogos florestais e abundam as desculpas e declarações de inimputabilidade política e criminal para a evidente falta de prevenção, planificação e combate operacional, importa olhar para o seguro florestal enquanto instrumento de gestão de risco das florestas.

As florestas são desde sempre um dos principais sectores da economia portuguesa, fornecendo um vasto conjunto de produtos e serviços que vão desde os produtos de madeira (e.g., para a indústria do mobiliário e celulose para papel), combustíveis (e.g., lenha, e carvão), alimentos (caça, pecuária e produtos vegetais), serviços ecológicos, económicos, sociais e estéticos e outros recursos importantes. Os sistemas agro-florestais ocupam cerca de um quarto dos espaços agrícola e florestal de Portugal continental e a fileira da floresta assume uma importância decisiva na economia nacional em termos de valor acrescentado, de comércio internacional, e de emprego, em razão do elevado número de agentes envolvidos na produção, transformação e comercialização dos seus produtos, e pela sua relevância na fixação das populações nas regiões mais despovoadas e desfavorecidas do interior do país. O aumento da capacidade das indústrias baseadas na madeira está fortemente relacionado com o aumento da disponibilidade de matéria-prima, mas a sua sustentabilidade depende de um conjunto de factores naturais e está associada um conjunto de riscos (incêndios e pragas) que é necessário acautelar. A produção florestal é uma actividade económica arriscada devido ao longo ciclo de produção e à possibilidade da sua destruição em resultado de vários perigos naturais, entre os quais os incêndios florestais.

Nas últimas décadas, as tendências socioeconómicas e demográficas registadas nas áreas rurais de Portugal contribuíram para a elevada susceptibilidade do território ao fogo. A significativa diminuição da população residente levou ao abandono das terras agrícolas, à diminuição do tamanho dos rebanhos e à redução do consumo de combustíveis florestais por pastagem de animais e pela colheita de madeira de combustível. Vastas áreas agrícolas foram convertidas em plantações florestais ou abandonadas ao processo natural de sucessão ecológica. Os incêndios provocam prejuízos significativos tanto para a sustentabilidade da floresta como para a qualidade do solo. A recuperação das espécies florestais é normalmente lenta. A prevenção dos incêndios e a restauração florestal são incomportáveis para a grande maioria dos proprietários.

A gestão do risco no âmbito da actividade agrícola/florestal assume, por isso, uma importância crescente num contexto da globalização, preocupações ambientais e alterações climáticas. Em Portugal, foram desenvolvidos um conjunto de instrumentos de gestão do risco de incêndio, dos quais se destacam os Planos Regionais de Ordenamento Florestal, o Plano Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios, os Planos de Gestão Florestal, as Zonas de Intervenção Florestal e o corpo de Sapadores Florestais. Os dados estatísticos em termos de área ardida e número de ignições revelam a insuficiência e/ou ineficácia destes instrumentos. Portugal é o país europeu que apresenta a maior percentagem do território afectado por incêndios florestais.

Os seguros sempre se assumiram como instrumento de gestão dos riscos decorrentes de catástrofes naturais, promovendo a partilha e a transferência de riscos e perdas entre segurados e seguradoras. O seguro desempenha três funções económicas essenciais. Em primeiro lugar, transfere o risco dos indivíduos/empresas para as seguradoras. Em segundo, promove uma agregação e mutualização dos riscos. Por fim, o seguro promove uma afectação do risco na medida em que os prémios pagos reflectem a frequência e a severidade dos riscos cobertos.

A Lei de Bases da Política Florestal aprovada em 1996 contemplava a criação de um sistema de seguros florestais obrigatório abrangendo a arborização de áreas que sejam objecto de financiamento público, prevendo no entanto que o mesmo fosse gradualmente alargado a todas as arborizações. Na sequência desta publicação foram criados grupos de trabalho (vide Despacho n.º 2842/2010), envolvendo todos os stakeholders do sector, com o intuito de aprofundar os conhecimentos quanto a custos e modalidades de seguro para o sector florestal. Deles resultaram propostas concretas para a criação de um seguro que garanta os meios necessários à reposição da área florestada em caso de insucesso acidental ou de destruição do povoamento permitindo a compensação económica e financeira das perdas dos proprietários em caso da ocorrência de sinistros.

A falta de vontade política associada à fraca dinamização do mercado de seguros florestais - tanto no lado da procura como no lado da oferta - tem impedido a disponibilização deste importante instrumento de gestão da floresta, largamente utilizado noutros países. O desenvolvimento e viabilização do mercado de seguros florestais poderão vir a exigir a intervenção do Estado através da comparticipação dos prémios de seguro e/ou da criação de mecanismos de resseguro, não dispensando contudo uma adequação avaliação de risco e especificação dos contratos e uma sensibilização dos proprietários para a importância deste instrumento de gestão do risco.

A criação de um seguro florestal constituiria um incentivo ao investimento na actividade florestal garantindo aos produtores maior segurança e previsibilidade no desenvolvimento da sua actividade económica, geraria uma combinação risco-retorno mais condizente com a natureza do negócio e promoveria uma gestão mais activa de áreas florestais, contribuindo para a redução da frequência dos fogos florestais e da sua severidade. As funções económicas do seguro florestal no quadro dos instrumentos de gestão de risco são essenciais para que as florestas possam continuar a fornecer aos sistemas naturais e à humanidade o conjunto de serviços ecológicos, económicos, sociais e estéticos de que estes tanto dependem.

CIDADANIA SOCIAL - Associação para a Intervenção e Reflexão de Políticas Sociais - www.cidadaniasocial.pt

 

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