Carnificina na fronteira volta a ser lembrada, 70 anos depois da divisão da Índia

País assinala o 70.º aniversário da independência do regime colonial britânico, que é também a data em que o subcontinente foi dividido em dois países: um de maioria hindu, e outro de maioria muçulmana

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Niranjan Singh lê o jornal na sua casa perto de Amritsar, na província indiana do Punjab EPA/RAMINDER PAL SINGH

A independência da Índia do governo colonial britânico coincidiu com a divisão do subcontinente em dois países distintos, um processo marcado pela violência e o derramamento de sangue de ambos os lados da fronteira desenhada à pressa. Milhões de pessoas viram as suas vidas interrompidas quando os administradores britânicos ordenaram a criação de dois países: um maioritariamente muçulmano, e outro maioritariamente hindu.

Seguiu-se uma vaga sem precedentes de migração em massa, com cerca de 15 milhões de muçulmanos, hindus e sikhs, a trocarem de país com medo da perseguição e discriminação, numa rebelião política que custou mais de um milhão de vidas.

Durante a caótica transição, carruagens sobrelotadas partiam e chegavam às estações de comboio das cidades gémeas de Lahore e Amritsar, na província do Punjab, sensivelmente dividida ao meio pela separação de 14 de Agosto de 1947.

Agora que a Índia se prepara para assinalar 70 anos de independência, muitas das famílias que testemunharam a morte e a destruição durante o período da partição recordam essas histórias de horror.

Muitos sobreviventes da carnificina ficaram separados das suas famílias, do outro lado da fronteira.

Os irmãos Santa e Niranjan Singh tiveram a sorte de sobreviver a passagem da sua aldeia de Bhasin, do lado paquistanês da nova fronteira, para a sua actual casa em Sarangra, na Índia. Santa, que tinha 15 anos na altura, diz que as pessoas ansiavam por sangue – andavam a correr por todo o lado com facas, espadas e armas de fogo.

Mais de uma dezena de habitantes da sua aldeia foi morta durante esses dias de loucura, lembra Santa, que carregou um irmão ferido a tiro para o outro lado da fronteira. “A bala entrou por um lado e saiu pelo outro lado da sua cabeça. Mal chegámos ao lado de cá, ele morreu”, recorda, durante uma reunião alargada de família.

O seu irmão mais novo, Niranjan, ainda não tinha cinco anos, mas até hoje reteve a imagem das casas a serem queimadas e das pessoas massacradas. Também nunca mais esqueceu as histórias sobre as mulheres e meninas que foram violadas.

Os dois irmãos vivem agora com os seus filhos e netos, e tratam das suas terras de cultivo, de um verde exuberante, situadas a pouco mais de três quilómetros da problemática fronteira.

A divisão do subcontinente, com base nas linhas de fronteira traçadas pelos britânicos no fim do seu regime colonial, entrou em vigor ao bater da meia-noite do dia 14 de Agosto de 1947.

A Índia e o Paquistão já travaram três guerras desde 1947, e as relações entre os dois vizinhos continuam tensas, sobretudo por causa da disputada região de Caxemira, nos Himalaias, que ambos reclamam na totalidade e governam parcialmente.

As hostilidades intensificaram depois de uma série de bombardeamentos e tiroteios em Bombaim, a capital financeira da Índia, em 2008, ou do ataque ao Parlamento em 2001, incidentes que a Índia atribuiu a grupos militantes sedeados no Paquistão.

Pelo seu lado, o Paquistão repetidamente acusa a Índia de levar a cabo um lobby agressivo em Washington e junto dos países do Sudeste Asiático, com o objectivo de manter o país vizinho isolado internacionalmente.

E mesmo se a crueza e desumanidade da carnificina que marcou a separação começa já a desvanecer na história, os dois vizinhos, ambos Estados nucleares, não deixam de reeditar as suas hostilidades,durante o tradicional render da guarda, um ritual colorido encenado para coincidir com o pôr-do-sol sobre o posto fronteiriço de Wagah, a meio caminho entre Amritsar e Lahore.

Milhares de habitantes dos dois países viajam até ao local, para participar na cerimónia e assistir à patriótica parada dos respectivos guardas fronteiriços, que numa simulação de confronto marcham até ficar frente a frente, batem os pés e gritam a plenos pulmões.

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