Antecipar receitas, assumir os custos mais tarde

Reavaliação de activos é a última de uma série de operações realizadas ao longo dos anos em que a racionalidade financeira pode estar ausente, mas o impacto imediato no défice é um incentivo.

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Operação de reavaliação dos activos tem efeitos no défice deste e dos próximos anos Daniel Rocha

É uma técnica utilizada por diversas vezes nos últimos anos: o Estado garante no imediato uma receita que normalmente não obteria, fá-lo à custa de menos receitas ou mais despesas no futuro e o efeito nas contas públicas é um défice mais baixo no curto prazo, mas mais alto nos anos seguintes.

Aconteceu por exemplo quando foram realizados perdões fiscais, titularizações de créditos fiscais ou transferências de fundos de pensões. Os motivos para a realização das operações foram, quase sempre, melhorar o valor do défice no ano em que é realizada à operação, mesmo que isso acabasse por significar perdas maiores para o Estado a prazo.

No caso da reavaliação de activos, o actual Governo tem garantido que o objectivo não é o de melhorar os resultados orçamentais do curto prazo, mas na prática, o impacto nas finanças públicas é em tudo semelhante às das operações anteriores, mesmo que em montantes relativamente mais modestos. De acordo com os cálculos da UTAO, a reavaliação de activos conduz a uma melhoria do défice público situado entre 0,05% e 0,06% do PIB entre 2016 e 2018, que depois se transforma num agravamento do mesmo indicador entre 0,03% e 0,04% nos anos entre 2019 e 2026, caso o período de amortização seja de oito anos.

Noutros cenários, em que as empresas optem por prazos diferentes, o agravamento do défice nos anos seguintes pode ser bastante maior ou menor, o que também cria alguma incerteza para os exercícios orçamentais dos próximos anos.

Na prática, o que acaba por acontecer é que as empresas que decidiram aderir a este programa do Governo adiantam dinheiro ao Estado, que depois acabam por receber de volta ao longo dos anos seguintes. O valor que recebem é, no cenário base considerado pela UTAO, superior em 15,5% ao valor que tinham entregue, o que pode ser visto como o juro que o Estado tem de suportar na operação. Este tipo de “empréstimo” sai bastante mais caro ao Estado do que ir ao mercado buscar dinheiro através de emissões de obrigações, que neste momento se fazem a uma taxa de juro de 3,2% num empréstimo a 10 anos.

Em termos meramente financeiros, a grande diferença entre esta operação e a obtenção de um empréstimo nos mercados é que, ao contrário do que acontece com as emissões de obrigações, o dinheiro recebido no curto prazo conta para a redução do défice público. E, assim, tal como aconteceu no passado, a combinação das regras contabilísticas europeias com a existência de metas orçamentais centradas na evolução do défice e uma visão centrada no curto prazo dos governos constitui um incentivo claro para que os Estados tenham opções que, do ponto de vista financeiro, são pouco racionais.

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