Agência Europeia do Medicamento: antologia da mistificação e do oportunismo

Quer queiram, quer não, esta “noticiazinha de pé” de orelha está ao nível do melhor estilo de Trump… Até no sentimentalismo bacoco…

1. Merece a pena voltar à questão da candidatura à sede da EMA, a Agência Europeia do Medicamento, e da sua localização na capital. Vale a pena, porque o cinismo governamental continua o seu glorioso e desfaçado curso; porque este assunto revela o modo de decisão do Governo e o tacticismo que o marca; porque desvenda a desorientação e o amadorismo que assola o Governo, aí incluído o primeiro-ministro, sempre que alguma coisa não corre de feição.

 

2. Depois de José Manuel Fernandes e eu termos dado visibilidade nacional a este despautério, o Governo desdobrou-se em justificações. A primeira foi balbuciada por António Costa: Lisboa beneficiava de aí estar o INFARMED e só a sua candidatura permitiria criar uma Escola Europeia (em Lisboa, claro está). É revelador que, nessa altura, o primeiro-ministro não tenha falado na consideração de outras cidades, nem numa avaliação prévia e, pior, que não tenha logo manifestado o inusitado “amor” ao Porto que, mais tarde, haveria de publicitar.

Tomando o primeiro argumento: Barcelona, Amesterdão, Milão e Estocolmo são candidatas a sede, mas as agências nacionais do medicamento estão localizadas respectivamente em Madrid, Utrecht, Roma e Uppsala. Palavras para quê? Só se for para enganar incautos… Pegando no segundo. É falso que, para se criar uma Escola Europeia em Portugal, seja necessário ter a EMA em Lisboa. Em Espanha, a Escola Europeia está em Alicante; em Itália, em Varese e, no Reino Unido, está, não em Londres, mas em Culham! Eis o que mostra que a instalação da agência em Braga ou no Porto não impediria a criação da dita Escola em Lisboa ou até noutro local…

 

 3. A seguir, iniciou-se a manobra de desinformação. A escolha de Lisboa teria afinal resultado de uma comissão de avaliação que considerou inviáveis outras hipóteses. Nunca ninguém ouvira falar desse processo; nunca nenhuma autarquia (Braga, Coimbra, Porto, Faro) fora convidada para apresentar um projecto ou, ao menos, dados e razões. Mas pior, muito pior. Em meados de Fevereiro, já o Ministro da Saúde e a Secretária de Estado dos Assuntos Europeus, conforme demonstra notícia no site do SNS, davam Lisboa como garantida. Em 27 de Abril, o Conselho de Ministros aprova a candidatura de Lisboa (sem nenhuma comissão prévia) e a 29 de Abril, na cimeira do "Brexit", Costa entrega uma carta de intenção a Tusk e a Juncker. Só nessa altura, é criada uma comissão. Mas, surpresa das surpresas, a comissão visa acompanhar a candidatura de Lisboa... Tudo foi decidido, sem qualquer abertura para alternativas, nos salões da residência primo-ministerial de S. Bento. Mesmo que Lisboa seja já sede de duas agências europeias e isso, só por si, condene a sua candidatura ao insucesso liminar. A imprensa foi mais longe e o PÚBLICO chega a titular em primeira página que tinha de ser a capital, porque só Lisboa poderia acomodar 300.000 dormidas por ano. O Público devia fazer melhor o trabalho de casa. Se a EMA tivesse, que não tem, 1000 visitantes por semana, isso significaria no máximo, 52.000 dormidas. Claro que se lhe poderiam somar os funcionários, mas esses não ocupam hotéis… Ou há alguém que ache que o Porto ou Braga e respectivas regiões não têm capacidade para receber mais 900 ou 1000 famílias…?

 

5.  A cereja em cima do bolo chegou quando fonte próxima do primeiro-ministro veio dizer que ele lutou até ao fim para que a candidatura fosse do Porto. Infelizmente, queixava-se, a avaliação feita tinha demonstrado que isso era inviável. Essa luta foi feita quando? Em Fevereiro? Em Abril? Junto da comissão de acompanhamento da candidatura de Lisboa? É difícil haver tentativa de condicionamento mais clamorosa e estridente… Como podem os media deixar passar uma “pseudo-notícia” destas sem reparo? É evidente aos olhos de todos que o primeiro-ministro e o seu entorno perceberam que caiu a máscara do suposto defensor da descentralização. E que era necessário conter danos… Como? Com a notícia notoriamente falsa e inventada à pressa de que o primeiro-ministro queria muito uma localização fora da capital, mas os estudos e a avaliação técnica o tinham defraudado. Já alguém viu esses estudos, já alguém ouviu falar nessa comissão neutra? Quer queiram, quer não, esta “noticiazinha de pé” de orelha está ao nível do melhor estilo de Trump… Até no sentimentalismo bacoco…

 

6. Mas claro, depois de tanta trapalhada, o Governo teve de voltar à sua matriz, a matriz já revelada no caso do director das secretas. E para surpresa geral, no sábado 17 de Junho, o candidato socialista à Câmara do Porto anuncia que o Governo fez marcha-atrás e vai ponderar a hipótese de a candidatura contemplar o Porto. Trata-se de um despudorado aproveitamento eleitoralista. Nem fala o ministro da Saúde (que publicou uma nota quando a conferência de imprensa de Pizarro já estava marcada!); nem o presidente da câmara. O anúncio da “reversão” é feito, e em tom triunfalista, pelo candidato autárquico do PS! Para glosar o seu maquiavélico slogan, Pizarro não fez pelos dois, fez pelos três: por ele, pelo Governo e pelo presidente da câmara. Até aqui, como aliás fiz questão de deixar claro no meu artigo de 13 de Junho, ninguém fizera aproveitamentos eleitorais. Mas Costa e Pizarro não resistiram… Este processo politicamente degradante diz tudo sobre o Governo. Decide com base no preconceito centralista, antes de estudar. Quando confrontado com argumentos sérios, foge em frente com prosaicas “declarações de amor” e dados falsos. E quando já nada pode ou consegue esconder, volta atrás na decisão, fazendo o mais despudorado e mesquinho aproveitamento eleitoral de que tenho memória. Esta questão é nacional. O governo reduziu-a e localizou-a. Primeiro, decidindo, sem mais, pela capital. Depois, alavancando a demagogia do seu candidato ao Porto. Costa, como sempre em equilibrismo, julga assim ter garantido uns votos em Lisboa e, semanas depois, outros tantos no Porto. Triste sina a nossa.

 

 

 

SIM. José Eduardo Agualusa. O Prémio Internacional Literário de Dublin 2017 dado ao livro Teoria Geral do Esquecimento faz inteira justiça ao autor e configura um grande tributo à língua portuguesa.

 

NÃO. João Marques. O Provedor da Misericórdia de Pedrógão Grande errou seriamente. Prejudicou os que desde a primeira hora têm lutado por um esclarecimento cabal das causas e das responsabilidades da tragédia.

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