Eleições para governador de Jacarta entraram nos X-Men

O artista Ardian Syaf incluiu as suas crenças religiosas e políticas num episódio da série Gold – mensagens ofensivas para os cristãos e judeus. Foi dispensado pela Marvel. "A minha carreira acabou", diz.

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Não se contentando apenas com salvar o mundo de déspotas divinos, da limpeza genética e da aniquilação global, os X-Men passaram o último meio século a lidar com um grande conjunto de problemas sociais.

Iceman, um dos X-Men originais, é uma das várias personagens que se assumiram como homossexuais. Um dos filmes da série X-Men centrava-se na ética biomédica. E Magneto disse uma vez que pretendia fazer a guerra entre humanos e mutantes usando "todos os meios que forem necessários". Esta frase é uma referência a outro revolucionário que também gostava da letra X e que teve a sua ascensão durante a época dos Direitos Civis nos Estados Unidos – Malcolm X.

No entanto, a última polémica relacionada com os X-Men não resulta de uma decisão da Marvel. Envolve uma tentativa dissimulada de um muçulmano indonésio que cria banda desenhada há vários anos.

Ardian Syaf, um artista da série de banda desenhada X-Men Gold, inseriu duas referências ao que os críticos chamam de iconografia "anti-cristã" e "anti-judaica", enquanto as tensões religiosas se intensificam no seu país de origem.

De acordo com a Associated Press, as referências fazem alusões à controvérsia que rodeia o governador de Jakarta, Basuki "Ahok" Tjahaja Purnama, um líder cristão num país de maioria muçulmana – nesta quarta-feira realizou-se a segunda volta das eleições e Purnama perdeu para Anies Baswedan, ex-ministro da Educação e muçulmano.

Purnama foi acusado de blasfémia depois da divulgação de um discurso em que declarou que o Corão não exige aos muçulmanos que votem só em líderes muçulmanos. Disse que os seus críticos – os líderes muçulmanos que defendiam o contrário – estavam a mentir.

Mais tarde, Purnama pediu desculpa. O seu julgamento foi adiado para depois das eleições. No entanto, a controvérsia desencadeou meses de manifestações no quarto país mais populoso do mundo, incluindo uma em que Syaf disse ter participado.

Agora, a disputa infiltrou-se num dos franchises de banda desenhada mais populares da América.

Segundo a revista Hollywood Reporter, a primeira alusão aos tumultos na Indonésia em X-Men Gold é uma cena em que Kitty Pryde – uma das personagens judias mais proeminentes do universo de banda desenhada da Marvel – diz a uma multidão que é a nova líder dos X-Men. A sua cabeça bloqueia o letreiro próximo de uma loja de jóias (jewerlry store), de maneira a que a palavra "jew" (judia) aparece junto a ela. Outro letreiro exibe o número 212 – uma referência a 2 de Dezembro de 2016, a data de uma grande manifestação em Jacarta.

A segunda referência acontece numa cena com um jogo de basebol entre os X-Men. O mutante russo Colossus aparece a dar uma tacada numa bola de basebol e os seus músculos gigantes estão cobertos por uma t-shirt onde se lê "QS 5:51". Este versículo do Corão ordena aos fiéis: "Não tomeis por aliados os judeus nem os cristãos. Eles são aliados entre si."

Em comunicado, um porta-voz da Marvel disse na semana passada que a empresa não tinha conhecimento do significado que estava por trás das referências, que estavam ocultadas mas à vista de todos.

"Estas referências implícitas não reflectem as opiniões do argumentista, dos editores ou de mais ninguém na Marvel e opõem-se directamente ao espírito inclusivo da Marvel Comics e àquilo que os X-Men representam desde a sua criação", lê-se no comunicado. "A ilustração vai ser retirada das próximas edições, versões digitais e edições encadernadas e estão a ser tomadas medidas disciplinares."

A Marvel pôs fim à colaboração com Syad. A companhia não fez comentários sobre se acredita que existam outros easter eggs (referências escondidas) em outras bandas desenhadas da autoria de Syad.

Syaf não respondeu a pedidos para prestar declarações, mas contou ao Jakarta Post que tinha decido incluir as mensagens depois de participar numa manifestação.

"O QS 5:51 é o versículo que está a ser ridicularizado", disse ele. "Isto é muito especial para mim. Quero incluir isto no meu trabalho. Desenhei aquela página depois de voltar de um protesto."

Syaf também contou ao jornal que acredita que é aceitável ser amigo de judeus e de cristãos. "Mas escolher alguém que não é muçulmano como líder é proibido. É isso que diz o versículo. O que é que eu posso fazer, enquanto muçulmano? Se trabalhasse na DC Comics, podia colocar [as mensagens] numa banda desenhada do Super-Homem".

Durante anos, a página de Facebook de Syaf foi uma intersecção entre a sua carreira como artista de banda desenhada, a sua identidade enquanto muçulmano e as suas crenças políticas.

Publicava um desenho elaborado do Batman num dia e, pouco tempo depois, partilhava uma oração para que Alá protegesse o povo da Síria. Por vezes, brincava com fãs ou publicava fotografias e desenhos de si próprio e da sua escrivaninha, um vislumbre do mundo privado onde criava imagens que eram devoradas por pessoas em todo o mundo.

No entanto, uma actualização no Facebook publicada por Syaf na semana passada reconhecia que a sua decisão de expor publicamente as suas queixas contra Purnama irão, provavelmente, ser o fim da história para outra das suas paixões: "Agora, a minha carreira acabou."

Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post

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