Governador de Jacarta, cristão e de origem chinesa, julgado por "blasfémia"

Basuki Ahok Tjahaja Purnama disse que os muçulmanos podem ter um líder que não seja da sua fé. Agora, pode ser condenado a cinco anos de cadeia.

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O governador Basuki "Ahok" Tjahaja Purnama na sala de audiências Bagus INDAHONO/AFP

O primeiro governador de Jacarta da minoria étnica chinesa vai mesmo ser julgado por “blasfémia e profanação do Corão”, por se ter atrevido a citar um dos versículos do livro sagrado dos muçulmanos na campanha para a sua reeleição. Basuki Ahok Tjahaja Purnama, um aliado do Presidente Joko Jokowi Widodo, é também o primeiro governador cristão da capital em mais de meio século.

Um painel de cinco juízes rejeitou nesta terça-feira os argumentos da defesa, que argumentara que a acusação tinha várias incorrecções, além de violar os direitos humanos e, por isso, o processo devia ser anulado. O julgamento vai mesmo continuar, numa sala de audiências maior, dada a atenção que o caso está a suscitar.

Como nas sessões anteriores, houve manifestações na cidade de dez milhões de pessoas, com gente a gritar "Allahu Akbar” (Alá é grande) à porta do tribunal - no dia 4 de Novembro, os protestos provocaram um morto e dezenas de feridos, entre populares e polícias.

O juiz presidente aconselhou a defesa a apresentou recurso a uma tribunal superior. Mas a próxima sessão do julgamento ficou já marcada, para 3 de Janeiro, e num grande auditório do Ministério da Agricultura, para acolher mais assistência.

A controvérsia explodiu quando começou a circular online um vídeo das declarações feitas pelo governador em Setembro, em campanha, dizendo a pescadores que não se deixassem enganar por pessoas que dizem que o Corão proíbe os muçulmanos de terem um líder que não fosse da mesma fé. De forma ligeira, segundo o New York Times, Purnama citou o versículo 51 da parte “A Mesa Servida”: “Ó fiéis, não tomeis por confidentes os judeus nem os cristãos; que sejam confidentes entre si. Porém, quem de entre vós os tomar por confidentes, certamente será um deles; e Deus não encaminha os iníquos”.

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Manifestação esta terça-feira em Jacarta exigindo a condenação do governador Darren Whiteside/Reuters

O governador pediu desculpas, em lágrimas, e assegurou que não estava a tentar fazer uma interpretação do Corão, nem pretendia ofender. Estava simplesmente a referir-se a alguns políticos que “exploram os versículos de forma incorrecta, porque não querem concorrer de forma justa nas eleições”, marcadas para Fevereiro de 2017, cita-o a Associated Press.

De acordo com uma lei de 1965, Ahok (como é conhecido) pode ser condenado até cinco anos de cadeia, por blasfémia – e este tipo de julgamentos na Indonésia costuma resultar sempre em condenação. A Amnistia Internacional tem criticado esta lei, por considerar que é usada para perseguir minorias religiosas.

Unidade na diversidade é o lema da Indonésia, onde mais de 90% dos 240 milhões de habitantes são muçulmanos – é na verdade o maior país muçulmano, em termos de população. Mas este caso expõe divisões raciais e religiosas latentes e está a ser visto como um sério teste à liberdade religiosa no país. O governador cristão e etnicamente chinês representa duas minorias ao mesmo tempo, tornando-o uma raridade na vida política indonésia, sublinha o Guardian.

“Usar a raça e a religião numa campanha para arrasar num candidato viola um tabu em vigor há muito tempo”, disse ao New York Times o analista político Douglas Ramage, em Jacarta. “Economia, religião, etnias e desigualdade na distribuição da riqueza misturam-se na Indonésia de uma forma volátil. Este julgamento é potencialmente explosivo”, diz ainda Jeffrey Winters, politólogo da Universidade do Noroeste (EUA) e especialista em Indonésia. 

O Presidente Joko Widodo, que deixou o cargo que Ahok agora ocupa em 2014 - quando foi eleito para a presidência, e é considerado seu aliado – afirmou que “actores políticos” estão a inflamar os protestos, mas não se atreveu a clarificar as acusações.

Enquanto governador, Ahok tornou-se conhecido por cortar na burocracia, mas a sua linguagem franca e o esforço para acabar com os bairros de lata irritou alguns eleitores, diz a Reuters. No entanto, ia à frente nas intenções de voto para governador. 

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