Trump traça a sua linha vermelha com avisos a Assad e à Rússia

O ataque com armas químicas em Idlib levou o Presidente dos EUA a mudar drasticamente a sua atitude em relação ao líder sírio. Nova política põe Washington e Moscovo em rota de colisão.

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Crianças e trabalhadores primeiros socorros na Síria mostram solidariedade com vítimas do último ataque químico MOHAMMED BADRA/EPA

Impressionado com as imagens de “crianças, muitas crianças” em agonia após o ataque com armas químicas, o Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, recuperou a linha vermelha que tanto criticara ao seu antecessor Barack Obama, numa mudança de 180 graus da sua anterior apreciação pessoal das políticas e do comportamento de Bashar al-Assad – e daquilo que a sua Administração estará disposta a tolerar ao líder sírio em nome do combate ao terrorismo do Daesh e outas organizações jihadistas no terreno.

O ataque, que fez mais de 70 mortos e centenas de feridos, “ultrapassou todos os limites”, condenou Trump. “Quem mata crianças inocentes, bebés inocentes, com um gás químico tão letal, cruza todas as linhas. Na minha opinião, quem faz isto vai além da linha vermelha, vai além de muitas muitas linhas”, afirmou o Presidente norte-americano, que usou termos como “atrocidade” e “uma afronta para a humanidade” para descrever o que aconteceu em Khan Sheikhoun. “A minha atitude em relação à Síria e em relação a Assad mudou drasticamente”, anunciou.

Questionado pelos jornalistas a bordo do avião presidencial Air Force One a caminho da Florida, onde esta quinta-feira recebe o Presidente da China, Xi Jinping, Trump disse que "os crimes horrendos" cometidos na Síria "não podem continuar", e acrescentou que "alguma coisa tem de acontecer" para travar o Presidente sírio. "O que ele fez foi terrível", considerou.

A mudança de Donald Trump – que o coloca em rota aberta de colisão com o Presidente da Rússia, Vladimir Putin, o principal aliado do regime de Damasco – foi saudada pelos aliados ocidentais dos EUA, preocupados pelo anterior desinteresse do líder norte-americano na permanência de Bashar al-Assad no poder. “Por mais que estivesse disposto a deixar Assad quieto no lugar, os últimos acontecimentos mostraram que essa opção é impossível”, escrevia a revista conservadora National Review, saudando a nova determinação do Presidente – e a possível mudança de abordagem da sua Administração – para resolver a crise síria.

Mais perto de Obama

O ministro dos Negócios Estrangeiros da Alemanha, Sigmar Gabriel, considerou a evolução da posição de Trump como “muito positiva”, admitindo que as suas anteriores declarações sobre a guerra na Síria tinham deixado a Europa “muito irritada”.

“Para nós, tão importante como a guerra ao terrorismo, é promover uma reforma constitucional para a realização de eleições livres na Síria, e claro que isso nunca irá acontecer enquanto Assad se mantiver no poder”, assinalou Gabriel. O seu congénere francês, Jean-Marc Ayrault, disse que os desenvolvimentos tornavam mais urgente uma acção internacional contra o Presidente sírio. “Os seus crimes não podem ficar impunes. A justiça internacional tem de julgar Assad”, apelou.

A nova perspectiva de Trump, após o massacre em Idlib, deixa-o mais perto da posição original de Barack Obama, que há cinco anos traçou a famosa “linha vermelha” que desencadearia uma resposta militar norte-americana: os EUA não deixariam de reagir se Assad ousasse recorrer ao seu arsenal químico e biológico para derrotar a oposição. Mas quando confrontado com o uso de gás sarin pelas forças governamentais sírias no bairro de Ghutta, num terrível ataque em Agosto de 2013 que fez mais de 1400 vítimas, Obama evitou o confronto militar, negociando com a Rússia um acordo para a entrega das armas químicas por Assad.

Donald Trump, que ainda só era um magnata com inclinação para criticar o Presidente no Twitter, elogiou o desfecho dessa crise. Segundo escreveu nessa altura, uma intervenção militar na Síria seria uma péssima ideia, uma vez que não traria “nenhum benefício” à América, só “tremendos prejuízos”. Na sua primeira reacção ao “ataque intolerável” de Idlib, Trump responsabilizou Obama e a sua “fraqueza e indecisão” relativamente à guerra na Síria, e prometeu agir de forma decisiva para punir o regime de Bashar al-Assad por mais um massacre e pôr fim à violência na Síria.

Não disse como pretende responder ao “desafio” de Assad  – Trump não gosta de antecipar as suas jogadas, para manter os seus adversários na incerteza. Mas uma fonte do Pentágono confirmou à Reuters que “a acção militar dos EUA na Síria voltou a ser uma das opções em cima da mesa”.

Avisos a Moscovo

O secretário de Estado norte-americano, Rex Tillerson, viaja na próxima semana para Moscovo, onde se encontrará com o Presidente Vladimir Putin. Lançou um aviso: "É já tempo de os russos analisarem cuidadosamente o seu apoio continuado ao regime de Assad", afirmou, a partir do México. 

A guerra na Síria é o principal tópico na agenda: nas Nações Unidas, a embaixadora norte-americana, Nikki Haley, não se coibiu de atacar o Governo russo. Mostrou fotos das vítimas do ataque químico e disse que os últimos desenvolvimentos no terreno provam que, afinal, o interesse do Kremlin na Síria não é erradicar o terrorismo. “A Rússia não pode escapar da sua responsabilidade pelo ataque químico de Idlib”, sublinhou Haley, que tal como Trump, reverteu a sua posição sobre Assad.

O porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, tentou corrigir a percepção de que a Rússia apoia Assad incondicionalmente. “Não é correcto dizer que Moscovo pode convencer o senhor Assad a fazer uma coisa ou outra. Aliás, é totalmente errado”, observou. “Moscovo e Damasco têm uma relação de cooperação, uma vez que Assad e o seu exército são o único poder na Síria capaz de combater os terroristas”, acrescentou.

No entanto, agora que traçou a sua própria linha vermelha, Donald Trump tem pela frente o mesmo dilema de Obama: uma intervenção militar na Síria comprometeria de forma séria a relação dos Estados Unidos com a Rússia, que já recomendou maior prudência à Casa Branca, e arrastaria o país para mais uma guerra de consequências imprevisíveis no Médio Oriente.

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