A recapitalização do Monte dei Paschi di Sienna

Dificilmente a actuação do BCE (Mecanismo Único de Supervisão) e da Comissão Europeia em relação ao Monte dei Paschi di Sienna poderia ter sido mais destrutiva.

Primeiro, ao criar desde 2014 uma enorme incerteza sobre toda a banca europeia, nomeadamente com o aumento dos requisitos de capital de forma relativamente discricionária e com a introdução de novas regras de resolução que só deixam um único instrumento disponível para todos os problemas: o bail-in (eufemismo que significa confisco) de depósitos e de dívida, que restringe de forma drástica a capacidade de intervenção de um Estado-membro na sua banca. Não é de admirar que, desde então, se tenha tornado progressivamente mais difícil realizar aumentos de capital na banca.

Segundo, ao criar a “ficção” (via Direcção-Geral da Concorrência da União Europeia) que só se admitiriam soluções de recapitalização por parte do sector privado em bancos com um balanço, por exemplo, de 160 mil milhões de euros (como o do Monte dei Paschi).

Em resultado destes e doutros constrangimentos artificiais, verdadeiramente um conjunto de impossibilidades, a Itália perdeu mais de um ano a desenhar uma solução “privada” para recapitalizar a banca italiana, solução essa nado-morta à nascença, porque complicada e de dimensão claramente insuficiente face à escala dos problemas.

Nos últimos meses, a Itália insatisfeita com as “soluções” de Bruxelas e de Frankfurt, resolveu seguir o seu próprio caminho, tendo recentemente aprovado um fundo público de 20 mil milhões de euros para recapitalizar a banca, dos quais, 5 mil milhões de euros seriam destinados ao Monte dei Paschi.
Mas entretanto, devido a toda a pressão do BCE e aos requisitos de testes de liquidez dos acordos de Basileia, que supostamente indicam que o banco não cumpriria os requisitos de liquidez no futuro, sendo obrigado a recorrer a outros instrumentos de liquidez, se ocorresse uma saída de depósitos de 10,4 mil milhões de euros no mês seguinte, surprise surprise, segundo o próprio BCE, acentua-se uma corrida aos depósitos no Monte dei Paschi entre o final de Novembro e 21 de Dezembro, num banco que já tinha visto sair 14 mil milhões de euros de depósitos (18% do total) nos primeiros nove meses do ano.

O BCE autoriza finalmente uma “recapitalização precaucionária” pelo Estado Italiano do banco Monte dei Paschi di Sienna, mas exige um aumento de capital de 8,8 mil milhões de euros, e não de 5 mil milhões de euros como exigia antes, i.e., 76% mais do que exigia anteriormente. Alega que a deterioração da posição de liquidez do banco — note-se que causada pela própria actuação do BCE — leva ao aumento das necessidades de capital do banco.

Ora esta decisão não tem precedentes; não parece ter fundamento com base nas actuais regras; e vai gerar muito mais instabilidade na banca da zona euro. O sector passa a saber que o BCE pode exigir, precisamente na altura mais crítica, quando ocorrem fugas de depósitos, aumentos de capital drásticos com base precisamente em fugas de depósitos.

O único aspecto positivo a retirar de mais este episódio lamentável é que a recapitalização do Monte dei Paschi representa o princípio do fim, menos de um ano volvido, da entrada em vigor do Mecanismo Único de Resolução, das regras da união bancária que obrigam ao bail-in de depósitos e de dívida no caso de dificuldades, que não ocorre neste caso. E ainda bem que tal ocorre. Não destroem o Monte dei Paschi como ocorreu em Portugal com o Banif e com o BES. É só pena que Portugal tenha, de forma voluntarista e naïve, autodestruído o seu sistema bancário para cumprir regras que só se aplicam aos países fracos e pequenos da zona euro.

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