Governo admite novo programa de realojamento em 2017

Secretário de Estado do Ambiente diz que irá avaliar a necessidade de “resposta extraordinária” aos desalojados. Peritos da ONU alertaram para as “condições deploráveis” em alguns dos bairros visitados em Portugal. Especialistas na área da pobreza reconhecem retrato traçado.

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Moradores do bairro 6 de Maio foram ao Ministério do Ambiente protestar Fábio Augusto
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José Mendes, membro do Governo com a pasta da habitação e do PER, não se comprometeu com datas ou financiamento, mas afirmou que a avaliação sobre um eventual novo programa será feita ao longo de 2017

No mesmo dia em que Portugal foi instigado pela relatora da Organização das Nações Unidas (ONU) a resolver “imediatamente” o problema de quem está sem casa, o secretário de Estado Adjunto e do Ambiente admitiu, em entrevista ao PÚBLICO, a possibilidade de fazer um novo Programa Especial de Realojamento (PER).

A perita da ONU Leilani Farha esteve em missão em Portugal a avaliar o impacto da crise económica na habitação. Ao PÚBLICO disse: “Algumas das condições que vi são deploráveis.”

José Mendes, membro do Governo com a pasta da habitação e do PER, não se comprometeu com datas ou financiamento, mas afirmou que a avaliação sobre um eventual novo programa será feita ao longo de 2017. Incidirá sobre a necessidade de haver uma “resposta extraordinária como foi o PER” de 1993, verificando “se a dimensão do problema exige uma intervenção adicional” e, nesse caso, se há recursos financeiros para tal. À porta do ministério estiveram ontem vários moradores do bairro 6 de Maio, na Amadora, a exigirem uma solução. São pessoas que estão sem casa ou em risco de serem desalojadas, por estarem fora do PER — o tipo de casos que o Ministério do Ambiente irá avaliar para o ano.

Criado em 1993 para realojar “pessoas residentes em barracas” nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, dando apoio financeiro para construção ou aquisição de habitações, o PER tem vindo a ser executado de maneira diferente pelas autarquias. A Câmara Municipal da Amadora (CMA) foi criticada, inclusivamente por Leilani Farha, pelos despejos nos bairros Estrela de África, Santa Filomena, 6 de Maio. “Demolir casas sem que as pessoas tenham sítio para ir é uma violação do direito à habitação condigna. Não se pode demolir uma casa sabendo que essa pessoa vai ficar sem abrigo: isso é uma violação clara do direito à habitação condigna”, disse ontem a relatora da ONU.

Muitas queixas são sobretudo de pessoas que estão fora do PER, ou seja, que não foram recenseadas há 23 anos. A CMA argumenta que ninguém fica na rua e que acompanha os moradores durante meses para lhes tentar encontrar soluções..

Às críticas da relatora da ONU o secretário de Estado respondeu: “Olha para esta problemática na perspectiva dos direitos individuais das pessoas. Mas há outra perspectiva que é a dos recursos existentes para enfrentar problemas de grande escala. Os recursos são escassos e é preciso fazer opções.” No imediato, o governante afastou a possibilidade de criar medidas excepcionais para quem está, neste momento, sem casa.

Farha disse que os sem-abrigo, as pessoas que vivem nos bairros de construção informal e nas “ilhas do Porto” “precisam de intervenção imediata do Governo”. Durante a sua visita, a relatora foi às “ilhas” do Porto, ao 6 de Maio ou ao bairro da Torre (Loures) “onde não há luz há dois meses” e onde “a comunidade cigana também não tem água”.

Peritos entendem “choque”

O que a perita da ONU encontrou é uma realidade que quem trabalha no terreno conhece, são “bolsas de pobreza, um país de primeiro mundo com condições de terceiro”, comenta ao PÚBLICO Agostinho Jardim Moreira, da Rede Europeia Anti-Pobreza/Portugal. “Com a troika muita gente deixou de conseguir pagar a renda. Além destes bairros há muita gente que perdeu a casa, que teve de a entregar ao banco. Houve decisões externas que foram cegas.”

Sérgio Aires, presidente da Rede Europeia Anti-Pobreza, diz que percebe “o choque” da relatora da ONU. Os problemas referidos pela perita têm sido levantados por organizações não-governamentais portuguesas, recorda, a ONU vem “validar” estes alertas.

A escolha de avaliar as questões da habitação é acertada e não muito comum, acrescenta, pois é costume privilegiar-se a educação e a saúde, quando “a habitação é tão estrutural”. “Como é que se pode levar crianças à escola quando as condições de habitabilidade são as que se descreve?” — questiona. “A questão da habitação dificulta muito a intervenção em termos de inclusão”, nota. “Mesmo que a pessoa tenha acesso ao Rendimento Social de Inserção, o que é que resolve se não têm sequer água em casa?”

Especialista na área da pobreza e exclusão, Isabel Baptista, investigadora do Centro de Estudos para a Intervenção Social, chama a atenção para o problema dos sem-abrigo, também abordado pela avaliação da ONU: é “muito preocupante” que se desconheça o número de pessoas em risco, “que podem não estar ainda na rua, mas que estão em situações vulneráveis”.

A especialista lembra que esteve em prática a chamada Estratégia Nacional para a Integração de Pessoas Sem Abrigo, que pretendia avaliar esta população “em risco”, como o caso dos despejados das suas casas ou com processos de despejo a correr. “Estes mecanismos de monitorização e prevenção foram abandonados, por falta de vontade política”, em 2011, nota. Era suposto a estratégia ter uma aplicação que ia de 2009 a 2015.

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