As retroescavadoras continuam a derrubar o Bairro 6 de Maio, na Amadora. Desta vez, sem aviso

Apesar da recomendação do Provedor de Justiça, o Programa Especial de Realojamento não foi revisto e os moradores que chegaram ao bairro depois de 1993 ficaram sem casa e sem possibilidade de arrendarem por conta própria.

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A maioria dos moradores são desempregados ou beneficiários do rendimento mínimo Fábio Augusto
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Pelo menos 18 pessoas foram esta segunda-feira despejados das suas casas no bairro 6 de Maio, na Amadora, sem terem recebido uma notificação prévia da autarquia sobre o dia do despejo. Os moradores, a maioria desempregada ou reformada, reclamam nunca ter sido informados do dia em que iriam ficar sem casa. Esta manhã, acordaram com a polícia e as retroescavadoras à porta e sem solução de alojamento.

A Câmara da Amadora indicou, por email ao PÚBLICO, que “após largos meses de trabalho com estas famílias, com vista ajudar a encontrar uma alternativa habitacional, (…) a autarquia informou-as que a qualquer momento a construção será demolida.” A autarquia garante que os “apoios possíveis” se esgotaram “por recusa das próprias famílias, que não aceitaram qualquer tipo de auxílio de nenhuma das instituições envolvidas nos atendimentos.”

“Mas a Câmara não ofereceu alternativas nenhumas. Ofereceram uma casa de abrigo temporário, destinadas aos sem-abrigo. É uma casa para 15 dias. E depois disso?”, contestou Rita Silva do colectivo Habita – Associação pelo Direito à Habitação e à Cidade.

As queixas do colectivo não são novas: tanto a falta de notificação como a demolição forçada sem garantias de realojamento foram apontadas pela activista no ano passado, durante uma série de demolições nos bairros 6 de Maio e Estrela de África. Queixas a que a autarquia responde como então: Tentou ajudar os moradores excluídos do PER a arranjar casa fora do bairro, mas estes recusaram a alternativa.

As demolições, com vista à erradicação das barracas e edifícios degradados, têm sido feitas nos bairros ilegais da Amadora desde 1995 e intensificadas nos últimos meses. Bairros como este, construídos na década de 70, são ocupados maioritariamente por famílias de origem cabo-verdiana e guineense. No entanto, algumas destas famílias chegaram ao bairro depois de 1993, data em que foram recenseados os agregados familiares existentes para entrarem para o Programa Especial de Realojamento (PER). Desde então o programa não foi revisto, um erro apontado pelo Provedor de Justiça ao Governo, e as famílias que chegaram ao bairro há menos de 23 anos não são contempladas pelo programa de realojamento camarário. Situação na qual se inserem as 18 pessoas despejadas esta segunda-feira.

Para além disso, Rita destaca que as famílias licenciadas para o PER mudaram ao longo dos anos, mas as casas atribuídas não têm esse crescimento em consideração.

“O problema aqui é que a autarquia continua a ignorar as recomendações do Provedor de Justiça. Pelo contrário, a Câmara adopta uma política cega de demolição. É óbvio que ninguém quer que as pessoas vivam nestas condições, mas é preciso dar garantias, não deixá-las na rua”, acusou Luís Costa, da Concelhia  do Bloco de Esquerda da Amadora, presente no local das demolições.

“Nem tempo nos deram para tirarmos as coisas. Eu e a minha avó só temos o que cabia dentro do carro. Mas o que é uma casa dentro do carro?” Moser Almeida, de 24 anos, não conseguiu tirar tudo o que queria. Deixou dentro de casa o frigorífico, as camas, o fogão. Casa que agora já lá não está.

Moser não sabe onde vai dormir, nem se a avó, com 72 anos e mobilidade reduzida, terá um tecto nos próximos dias. “Na verdade, nenhuma destas pessoas tem onde dormir hoje. As casas vieram abaixo e a câmara diz para estas pessoas se desenrascarem”, apontou Rita Silva, alertando que nenhum dos moradores tem rendimentos para aceder ao arredamento privado.

A maioria dos moradores são desempregados ou beneficiários do rendimento mínimo. “Há apenas uma senhora que recebe o salário mínimo. São pessoas idosas, algumas muito doentes, e há mesmo uma criança com três semanas. São pessoas que vivem situações de extra vulnerabilidade e no pior momento da vida delas. Como iriam pagar rendas de 400 euros? A D. Maria Cristina recebe 237 euros de reforma para ela e para o neto. A D. Eugénia recebe 400. É impossível”, afirmou Rita.

Ao longo da Rua Militar, que atravessa o bairro, há quem espere, há quem arrume alguns dos sacos com o que tiraram das casas – algumas panelas, comida, alguma roupa. “Para onde vou agora, Dr. Rita?”. Rita tenta-lhes arranjar um alojamento temporário na Junta de Freguesia da Damaia, “coisa que devia ser feita pela câmara”, acredita. Ao final da tarde, ainda não havia garantias de alojamento, ainda que temporário, para nenhum dos moradores.

"Pelos exemplos que temos, as esperanças também não são muitas", ressalva esta activista, referindo-se ao caso de Suleimane Balde. O guineense residente em Portugal há oito anos por motivos de saúde viu a casa ser demolida a 22 de Fevereiro deste ano e vive agora "da solidariedade dos vizinhos num garagem", descreveu. "Durmo no chão, porque estou há 3 anos e um mês à espera de uma resposta da Segurança Social para ter algum rendimento", referiu o guineense.

O colectivo Habita agendou uma concentração esta terça-feira de manhã em frente ao Ministério do Ambiente para “exigir uma solução de alojamento para os moradores”.

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