A geringonça europeia

A geringonça portuguesa pode funcionar com a geringonça europeia. A verdade que alguns não querem admitir é que funcionaria muito pior sem ela.

Uma sondagem recente parece confirmar que também em Portugal o grau de adesão à UE e ao euro aumentou em reação ao referendo do “Brexit”. Segundo a Eurosondagem, 93% dos portugueses não querem sair do euro, o que dará uma margem ainda maior à continuação na UE (na verdade, é virtualmente impossível sair do euro sem sair da UE, mas essa parte tem sido sistematicamente ocultada no debate nacional).

Significa isto que o consenso em torno do projeto europeu Portugal é mais alargado do que pensa e, sobretudo, que entra nos eleitorados do PCP e do BE de uma forma a que os ideólogos de ambos os partidos não estão muito preparados para admitir, deslocando assim as suas análises do “estudo da saída do euro” para a espera por uma crise que destrua a moeda da UE.

Do lado do Governo, o primeiro embate com a UE — sobre o Banif — deixou marcas que só foram atenuadas com a decisão por parte da Comissão Europeia de suspender sanções e cancelar suspensões de fundos. Só gradualmente se viu uma maior confiança e assertividade na relação do Governo português com as instituições europeias. Um ponto de viragem importante foi quando António Costa confirmou que, em caso de sanções, Portugal iria ao Tribunal de Justiça da UE. A direita atirou as mãos à cabeça com a “irresponsabilidade” de um país da UE defender os seus direitos através dos meios da UE. O escândalo é injustificado e, aliás, inexistente em qualquer outro Estado-membro.

A UE é, também ela, a sua própria geringonça. E Portugal está ainda longe de a utilizar em todo o seu potencial. Note-se como o parlamento da Valónia fez mais por garantir a compatibilidade de um tratado comercial com o Estado de direito do que a Assembleia da República em Portugal, onde a retórica anti-UE de alguns corresponde a pouco ou nenhum trabalho prático de controlo das instituições e das políticas da UE.

Portugal tem todo o interesse em estar na linha da frente na exigência de uma profunda democratização da UE, com uma Comissão eleita, um Parlamento com iniciativa legislativa e cidadãos com direitos de acesso direto ao Tribunal de Justiça. A Assembleia da República pode até eleger os representantes permanentes do país no Conselho da UE.

Infelizmente, nada disto é discutido no nosso Parlamento: talvez seja pedir de mais a uma classe política bastante desinteressada do que seja a União Europeia. Mas, para já, podemos dar uma coisa por adquirida. Muitos diziam que um Governo de esquerda seria incompatível com a UE. O último ano provou que estavam errados. A geringonça portuguesa pode funcionar com a geringonça europeia. A verdade que alguns não querem admitir é que funcionaria muito pior sem ela.

O autor escreve segundo as regras do novo Acordo Ortográfico

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