Tony Blair: "Brexit" ainda pode ser parado

Antigo primeiro-ministro britânico diz, numa entrevista, que há “demasiada hostilidade” para que possa regressar à primeira linha política.

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Tony Blair está de volta à política activa AFP/STEFAN ROUSSEAU

A saída do Reino Unido da União Europeia (UE) poderia ser interrompida se o povo britânico decidisse que os custos superavam em muito os benefícios, disse o antigo primeiro-ministro Tony Blair numa entrevista em que não anuncia o seu regresso à política activa, mas a uma forma de participação.

À New Statesman, uma revista semanal inglesa de conteúdo político, Blair afirmou que tenciona “criar espaço para um debate político sobre o futuro das democracias ocidentais e onde as forças progressistas, em particular, podem encontrar o seu espaço”.

Quanto ao "Brexit", Blair sublinhou que não prevê que o processo de saída do Reino Unido da UE seja travado, mas considera que esse cenário ainda é possível: “Pode ser interrompido se o povo britânico assim decidir, depois de ver o que significa [o "Brexit"], o que se ganha e o que se perde e qual a análise custo-benefício, se as contas não forem favoráveis”.

Tal reviravolta poderia surgir de duas formas, ambas no âmbito do processo de negociações de acesso ao mercado único europeu, afirmou, segundo a leitura da entrevista feita pelo Guardian. O primeiro cenário é concluir-se que tem de se continuar a cumprir regras europeias, enquanto o segundo é sobre a avaliação do custo-benefício.

“Se conseguirmos o máximo acesso ao mercado único, teremos de aceitar um número significativo de regras sobre imigração, o pagamento para o orçamento comunitário e a jurisdição do tribunal europeu. As pessoas podem então perguntar-se: 'Espera, então porque estamos a sair?'” “[Ou, em alternativa] ficamos fora do mercado único e o prejuízo económico pode ser enorme, sem dúvida, se forem precisos anos, ou mesmo uma década, para reestruturar a economia”.

Para o antigo primeiro-ministro trabalhista, o "Brexit" é como “concordar com uma troca de cavalos sem que se tenha visto sequer como é o outro cavalo”. E apesar do referendo ter sido ganho por quem defendia a saída da UE, mesmo aqueles eleitores podem eventualmente “olhar para o assunto de uma maneira prática, e não ideológica”, acrescentou.

Nesta longa entrevista, Blair elogiou a actual primeira-ministra, Theresa May, como “uma pessoa sólida e sensível” que enfrentou uma tarefa extremamente difícil na direcção do seu país e do seu partido através do "Brexit".

Blair negou ter chamado “maluco” a Jeremy Corbyn, considerando que o líder do Partido Trabalhista é um homem de princípios, mas que na sua perspectiva está equivocado. A liderança do Labour foi, na sua opinião, “capturada pela extrema-esquerda pela primeira vez na história do partido”. “Espero que o Partido Trabalhista compreenda que tem uma tarefa histórica em representar as pessoas que, neste país, precisam desesperadamente de serem representadas”, acrescentou.

Tony Blair, 63 anos, afirmou que o seu objectivo é ganhar influência política a partir de uma posição que chamou de “centro progressista ou centro-esquerda”.

Trump não é um ideólogo

Sobre as eleições norte-americanas, Blair defendeu que as pessoas deviam tentar envolver-se com o Presidente eleito e esperar que apareça “o Trump que é um negociador e não um ideólogo”.

Blair disse compreender o apelo e os avisos do Partido Republicano sobre a ameaça do terrorismo islâmico, considerando que os democratas foram demasiado cautelosos sobre esse assunto.

“O que é pedadógico é olhar para as plataformas democrata e republicana para estas eleições, para além de Hillary Clinton e Donald Trump. Basta olhar para essas duas plataformas para perceber qual é o problema”, analisou. E exemplificou: “Quando começava o debate sobre o islamismo radical e a ameaça islâmica, os democratas, por razões que compreendo perfeitamente, consideravam que falar nessa linguagem era fazer prevalecer na opinião pública que se estavam a estigmatizar todos os muçulmanos”.

Pessoalmente, Blair não concorda com esse ponto de vista: “Acho que as pessoas são perfeitamente capazes de distinguir entre islamitas e muçulmanos. Mas há uma ameaça que é baseada na perversão da religião que tem de ser reconhecida”, defendeu. Ora, acrescentou, os republicanos tinham toda uma argumentação sobre este tema, enquanto a esquerda liberal se mostrou incapaz de uma discussão sobre este assunto.

Mais genericamente, Blair argumentou que Trump venceu as eleições porque “houve vários assuntos sobre os quais a plataforma republicana se mostrou mais forte que a democrata”. E isso, acrescentou, é “reflexo de um movimento global, que em parte é uma reacção à globalização e em parte uma reacção económica”. “Mas também tem muito a ver com cultura e identidade, e o sentimento das pessoas perante um mundo que está a mudar muito rapidamente, e que a esquerda não consegue enquadrar”.

Blair disse mesmo compreender o apelo de Trump: “Eu consigo perceber porque é que há americanos, mesmo os do centro, que se possam sentir atraídos por essa plataforma, mesmo que não se sintam atraídos pela personalidade que a representa. Tem de haver uma análise profunda aos motivos pelos quais isto aconteceu”.

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