Hospitais devem receber menos quando os doentes não recuperam

A proposta é da consultora Boston Consulting Group e refere como exemplo um projecto sueco que trouxe melhoria de resultados em cirurgias da prótese da anca e joelho – um dos casos em que Portugal tem atrasos.

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A ideia é que os doentes sejam ouvidos sobre o resultado dos procedimentos ENRIC VIVES-RUBIO

Maria caiu em casa. Deu entrada no hospital onde se confirmou uma fractura na anca e foi encaminhada para uma cirurgia para colocar uma prótese. O caso – hipotético – poderia acontecer em qualquer país. No entanto, se Maria viver em Estocolmo, na Suécia, o hospital recebe um valor fixo para tratá-la e uma parcela variável consoante os resultados da operação. Com a mesma verba, o hospital tem de tratar eventuais complicações se as coisas não correrem bem e tem de dar uma garantia de dois a cinco anos. Em Portugal, o hospital receberia um valor fixo, mas que não tem em conta os resultados de intervenção. E, em caso de reinternamento, voltaria a receber dinheiro para cobrir as despesas. Um estudo da consultora The Boston Consulting Group (BCG), que será apresentado nesta terça-feira, sugere que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) se inspire no projecto sueco.

O relatório Um Novo Modelo de Acesso à Inovação em Saúde Baseado em Resultados, a que o PÚBLICO teve acesso, e que será apresentado numa conferência em Lisboa onde participa o ministro da Saúde, aponta vários casos internacionais de sucesso. E deixa várias sugestões para Portugal. Uma das principais ideias do documento, feito com o apoio da farmacêutica Janssen, passa por implementar um modelo de pagamento aos hospitais e centros de saúde que tenha em consideração os resultados alcançados dentro do que é possível em cada caso – o que poderia contribuir para que, em Portugal, as cirurgias à fractura da anca não continuassem a ser feitas fora do prazo.

Do conselho estratégico que deu apoio ao relatório fazem parte nomes como Eurico Castro Alves, anterior presidente da Autoridade Nacional do Medicamento (Infarmed), e Ricardo Baptista Leite, médico e deputado do PSD. Baptista Leite, em declarações ao PÚBLICO, descreveu que as alterações feitas em Estocolmo em 2011 (para a substituição da anca e do joelho) e em 2013 (para a cirurgia da coluna vertebral) já estão a dar frutos, com menos 15% a 20% de complicações e menos 17% de custos por doente.

Valorizar a qualidade

Como é que as mudanças no financiamento mexeram com os resultados? O também coordenador de Saúde Pública na Universidade Católica diz que a forma de pagamento acaba por servir tanto o interesse de quem presta os cuidados de saúde como do próprio utente, já que se procura que o acto médico cumpra uma boa relação custo-benefício tanto no momento como a médio prazo. “A sustentabilidade implica a valorização da qualidade em detrimento da quantidade e, como tal, a conversão dos gastos em ganhos em saúde para o doente e para a comunidade”, sublinha a BCG.

“Em Portugal, hoje, o financiamento é basicamente feito pelo número de procedimentos e não pelos resultados. Estamos a alimentar o inverso do que queremos alcançar”, lamenta o social-democrata, lembrando que ainda assim já há exemplos no terreno, como o caso dos pagamentos de doentes com VIH/sida. No entanto, Baptista Leite salienta que para avançar para estes projectos é preciso ter sistemas de informação que classifiquem muito bem tudo o que é feito.

Um dos possíveis riscos deste tipo de pagamento é deixar de fora os tratamentos demasiado caros. Mas Baptista Leite assegura que as experiências internacionais mostram que os hospitais, ao receberem uma verba fixa e outra de acordo com os resultados, acabam por querer que os doentes melhorem e pagam pelos verdadeiros medicamentos inovadores.

“É urgente avançar para modelos de partilha de risco com as farmacêuticas”, acrescenta o médico, que lembra o que já se passa com a hepatite C: o SNS só paga os medicamentos ao laboratório quando os doentes ficam curados. O relatório assume, porém, que é preciso criar excepções, nomeadamente nas áreas que geram mais despesa e em que os resultados podem ser menos expressivos, como é a oncologia.

Outro dos pontos explorados passa por melhorar a relação entre hospitais e centros de saúde, para que os primeiros também tenham interesse na prevenção da doença e promoção da saúde. O documento da BCG dá como exemplo internacional a Kaiser Permanente, uma seguradora nos Estados Unidos. A instituição cobre uma população de dez milhões de habitantes (o equivalente a Portugal) e é responsável por todos os cuidados de saúde. “Quanto mais saudáveis forem os segurados" mais recebe a seguradora "e, por isso, todos apostam na prevenção da doença”, conclui.

Nenhum hospital cumpre prazos para fractura da anca

Quando um doente chega a um hospital com uma fractura da anca o tratamento passa sempre por uma cirurgia. As normas indicam que a operação deve ser feita num prazo máximo de 48 horas, desde que não existam outros problemas no doente que impeçam a intervenção. Quando passam mais de dois dias, considera-se que a recuperação começa a ficar comprometida. No entanto, nenhum hospital em Portugal consegue dar resposta em tempo útil a todos doentes, indicam os dados da Administração Central do Sistema de Saúde.

A meta das 48 horas é um dos indicadores utilizados internacionalmente para avaliar a qualidade dos serviços de saúde, já que a partir deste intervalo os doentes têm mais complicações e dificuldade em recuperar. Em Portugal, entre Janeiro e Setembro, o melhor resultado foi conseguido no Centro Hospitalar Póvoa de Varzim – Vila do Conde, que operou 93,5% dos doentes no prazo. No fim da lista surge o Centro Hospitalar do Algarve com 16,4%. Em 39 centros hospitalares e hospitais, só 18 operam pelo menos metade dos doentes no prazo.

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