Comissão foi mais flexível agora do que quando avaliou o OE 2016

Confirmaram-se as boas notícias em Bruxelas. Portugal garantiu passagem do OE 2017, evitou suspensão dos fundos europeus e viu o fim do Procedimento por Défices Excessivos ficar mais próximo, se a operação Caixa não complicar.

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Negociações entre Governo e Comissão sobre OE chegaram a bom termo AFP/FRANCISCO LEONG

Numa conjuntura em que a Comissão Europeia parece agora decidida a liderar a implementação de uma política orçamental mais amiga da recuperação económica na zona euro, Portugal beneficiou de um tratamento mais favorável em Bruxelas do que aquele que tinha tido em Fevereiro quando apresentou o orçamento para 2016. E assim, depois de uma quarta-feira cheia de boas notícias vindas da capital europeia, o Governo garantiu, sem necessidade de aplicar novas medidas, a passagem do OE para 2017 no teste europeu e o fim da ameaça de suspensão dos fundos, ficando ainda com a porta aberta para uma possível saída do Procedimento por Défice Excessivos em que se encontra desde 2009.

A análise da Comissão Europeia à política orçamental portuguesa dividiu-se por dois anos. Por um lado, em conjunto com os outros países da zona euro, foi analisado se a proposta de orçamento para 2017 cumpre aquilo que é exigido pelas regras europeias. Por outro lado, em conjunto com a Espanha, verificou-se se Portugal fez o que lhe foi exigido pelas autoridades europeias e tomou as medidas necessárias para corrigir os desequilíbrios orçamentais já em 2016.

O resultado foi, nas duas frentes, positivo para Portugal. Em ambos os casos, contudo, tal aconteceu apesar de os limites quantitativos estabelecidos pelas regras não terem sido integralmente cumpridos.

Em relação ao orçamento para 2017, no relatório publicado esta quarta-feira a Comissão Europeia assinala que, embora seja pedido a Portugal que reduza o seu défice estrutural em 0,6 pontos, aquilo que acontece (de acordo com as contas de Bruxelas) é uma estagnação deste indicador.

Este desvio de 0,6 pontos é, de acordo com os procedimentos normais da Comissão, classificado como “significativo” e tal seria em princípio suficiente para que o orçamento fosse visto como estando em “risco sério de incumprimento”, o que forçaria o Governo a apresentar uma nova versão. Para que o desvio deixe de ser “significativo” tem de ser de 0,5 pontos ou menos.

Em Fevereiro, quando discutiu o OE 2016 com a Comissão Europeia, o Governo viu-se forçado a aumentar impostos sobre o consumo e a recuar na redução da TSU para garantir a passagem da sua proposta em Bruxelas, reduzindo o desvio detectado por Bruxelas para 0,4 pontos.

Agora, em condições muito semelhantes, a Comissão aceitou que o orçamento passasse, sem que fossem prometidas novas medidas, mesmo com um desvio classificado como “significativo”. “A previsão da Comissão para 2017 aponta para um desvio significativo em relação ao ajustamento exigido. (…) No entanto, o desvio projectado excede a fronteira para um desvio significativo por uma margem muito curta”, explica o relatório da Comissão.

Na conferência de imprensa de anúncio da decisão, o comissário europeu para os Assuntos Económicos e Financeiros, que na próxima sexta-feira visita Portugal, reforçou este ponto de vista. Pierre Moscovici disse que, no caso de Portugal, “o desvio é mínimo e os riscos estão contidos”, o que leva a que não sejam desta vez pedidas a Portugal novas medidas. "Portugal não precisará de apresentar medidas adicionais em 2017, desde que os riscos de desvios não se materializem", disse. O comissário acrescentou que neste momento os riscos até parecem ser "pela positiva", tendo em conta aquilo que foi o desempenho da economia no terceiro trimestre do ano.

De notar que, entre os outro sete países da zona euro que partilham uma classificação de “risco de incumprimento” por Portugal, também há desvios muito fortes na meta do défice estrutural, em alguns casos superiores ao de Portugal.

No cálculo do défice estrutural para 2017 – que o Governo nos seus cálculos diz que cai mesmo os 0,6 pontos pedidos - a Comissão Europeia estima de forma diferente do Governo o PIB potencial (o que prejudica as contas para Portugal), estima que haja menos receitas fiscais e alguma derrapagem na despesa, mas aceita quase todas as estimativas de impacto das medidas tomadas pelo Executivo.

Apenas há uma excepção. O impacto esperado pelo Governo com a aplicação da regra de entrada de um funcionário público por cada dois que saem. No OE aponta-se para uma poupança de 122 milhões de euros, mas a Comissão apenas considerou metade desse valor, justificando esse corte com “o histórico desta regra em 2016”.

Fim do PDE à vista?

Para 2016, a flexibilidade da Comissão Europeia na aplicação das regras também se fez sentir. Quando agravaram o PDE a Portugal, as autoridades europeias pediram que fossem tomadas “acções efectivas” que colocassem o défice nominal em 2,5% ou menos e que mantivessem estável o défice estrutural.

O Governo acredita que essas metas foram cumpridas, graças ao congelamento de parte das cativações de despesa, mas a Comissão tem, também aqui, outras contas, apontando para um défice nominal de 2,7% e um agravamento ligeiro do défice estrutural de 0,1 pontos.

Isto não impediu contudo que Portugal também passasse neste teste. Os técnicos de Bruxelas assinalam que estas diferenças face aos objectivos se explicam essencialmente por causa da perda inesperada de receita fiscal provocada pelo desempenho mais fraco da economia. E calcula que o esforço de contenção realizado por Portugal seria suficiente para atingir os objectivos, caso esse abrandamento não tivesse ocorrido. E, por isso, o relatório afirma que “se pode considerar que Portugal tomou acções efectivas”.

A consequência mais imediata deste resultado é que a Comissão decidiu deixar para trás qualquer cenário de suspensão dos fundos europeus (algo que também aconteceu à Espanha). “Não vai haver proposta. Não vamos propor qualquer suspensão de fundos”, disse Pierre Moscovici, acrescentando que isto “são obviamente boas notícias”.

O que ficou em situação de suspensão, pelo menos temporária, foi antes os efeitos do próprio procedimento por défice excessivo (PDE) imposto a Portugal. E agora já se olha para o momento em que o país pode vir a sair definitivamente. Moscovici afirmou que uma saída do PDE “parece estar ao alcance” de Portugal, decisão que ocorrerá na Primavera e que depende de Portugal concretizar efectivamente um défice abaixo de 3% em 2016 e apresentar boas perspectivas de fazer o mesmo nos anos seguintes. A Comissão alerta apenas para um potencial obstáculo: a contabilização no défice de parte ou da totalidade da operação de capitalização da CGD durante este ano.

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