A CGD, o silêncio do PS e do Governo

Nas últimas semanas o folhetim público sobre a Caixa Geral de Depósitos é digno de um manual como se não deveria gerir uma instituição financeira pública e bem mereceria ser transposto para uma peça teatral que garantidamente teria sucesso financeiro.

Depois de muito fumo sobre as últimas gestões do banco público, que conduziram a sucessivas recapitalizações, não tendo sido o único no País e no Mundo, o cidadão contribuinte é mais uma vez colocado perante a necessidade de um novo aumento de capital social num valor que a espuma não deixou assentar, a oscilar entre os 4.000 e 5.000 milhões de euros, qualquer coisa como mais de 2,3% a 2,8% do PIB.

Não pretendo ajuizar e muito menos condenar ou desresponsabilizar as gestões que nos encaminharam para esta situação. Na banca a CGD não foi infelizmente o único banco com problemas. Realço no entanto que todos os gestores anteriores teriam cumprido a obrigação imposta na lei de apresentação de declaração de rendimentos e interesses no Tribunal Constitucional no início e fim do exercício dos mandatos.

A declaração de rendimentos e interesses para o exercício de altos cargos públicos é importante, assenta nos princípios de acessibilidade e transparência para o exercício dos cargos. Tem sido assim para os membros do governo, os deputados, os autarcas, os gestores públicos. E se assim se exige para cargos públicos não executivos maior relevância têm os cargos executivos.

Poderemos criticar e discordar das anteriores gestões da CGD mas não consta que qualquer um dos gestores se tenha recusado ao cumprimento da lei e muito menos tenham imposto a sua alteração. A declaração tem uma finalidade, avaliar se no exercício de cargo público há ou não enriquecimento ilícito.

Circunstâncias e factos desaconselhariam a nomeação de António Domingues, nomeadamente:

Em primeiro, dever-se-ia ter recrutado um presidente fora da banca. Temos muitos portugueses com capacidade para o exercício do cargo e as universidades estão recheadas;

Em segundo, porque os tradicionais gestores das instituições financeiras têm sido recrutados no interior da banca, na designada “dança circular”;

Em terceiro, apesar da competência não poderemos eximir de responsabilidades os gestores bancários dos escândalos financeiros dos últimos anos;

Em quarto, o número alargado de gestores propostos, contrariado pelo BCE, mais pareceria ter subjacentes preocupações de representatividade e de continuidade futura do que preocupações de gestão da instituição;

Em quinto, António Domingues, quando convidado ainda seria Vice-Presidente do BPI, um banco que foi chamado a atenção pelo BCE pelo excesso de exposição a Angola, com consequências que ainda não estão totalmente resolvidas.

As reservas são muitas e agora mais se adensam. E sem o menor senso dos nomeados, num afrontamento que ofende o normal funcionamento do sistema democrático, numa arrogância nunca vista, recusam sujeitarem-se ao controlo das instituições democráticas, como se fossem os “deuses da terra”, num propósito de total opacidade.

Sempre tive ideias claras sobre estas matérias. Da mesma forma que, quando do debate sobre o sigilo bancário na Assembleia da Republica e na comunicação social, contrariei a devassa da vida privada do cidadão, na defesa das instituições financeiras dada a sua importância no funcionamento da economia, também na circunstância actual não fico silenciado perante a tentativa de imposição da opacidade por parte dos gestores da CGD.

O sistema bancário exige transparência. Os depositantes querem ter confiança no sistema bancário. Quando os gestores se eximem da sua própria responsabilidade de cumprimento da lei ao ponto de pretenderem um tratamento especial, dão sinais inaceitáveis nos tempos que correm, geram uma grande desconfiança na sociedade.

Os cemitérios estão cheios de gente competente.

A questão não é só jurídica. A questão é substancialmente política e moral. O Governo não pode continuar a empurrar para o Tribunal Constitucional o que tem de fazer. Noutros tempos em nome da decência já tudo estaria resolvido. Lamentavelmente o PS reúne a sua Comissão Nacional que nada diz sobre tão importante matéria. Um silêncio inaceitável num partido vergado. Pergunto até quando?

Vem-me à memória Mendes Silva, na sua máxima “fintam tanto, tanto, que se fintam a eles próprios”. 

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