Cuca Roseta e Teresa Lopes Alves, vozes jovens para fados eternos

Cuca Roseta estreia-se nos coliseus, num espectáculo que prepara há anos. Teresa Lopes Alves regressa ao pequeno auditório do CCB, que esgotou em 2015. Duas vozes do fado numa mesma noite, este sábado, em Lisboa.

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Cuca Roseta e Teresa Lopes Alves MIGUEL MANSO / FÁBIO AUGUSTO
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Cuca Roseta MIGUEL MANSO
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Teresa Lopes Alves FÁBIO AUGUSTO

Difícil escolha, nesta noite de sábado: no Coliseu de Lisboa, canta Cuca Roseta (21h30); no pequeno auditório do CCB, uma outra fadista da mesma geração, Teresa Lopes Alves (às 21h, integrada no programa do Misty Fest). A primeira fará “uma história de vida”, percorrendo os seus três discos; a segunda antecipará um novo disco que aí vem.

O espectáculo de Cuca Roseta, que nunca actuou a solo nos coliseus (dia 12 estará no do Porto), é uma coisa pensada maduramente, ao longo de anos. Para ela, é uma sala tão importante que adiou este momento até achar que estava pronta. E está. “Já me tinham convidado várias vezes e eu não me sentia madura o suficiente para aquilo que esta sala representa para mim: uma sala emblemática onde vi os artistas que eu mais amo, como a Maria Bethânia. Por isso preparei este espectáculo durante muito tempo, para poder ser um espectáculo surpreendente."

Há coisas de que ela quer guardar segredo, para serem uma grande surpresa no próprio dia, mas uma parte pode ser dita. O concerto abre com um bailado, com sete bailarinos indicados pelo coreógrafo Pedro Borralho. “Vou participar também, porque já fiz ballet quando era mais nova. É uma guitarrada do Mário Pacheco [Além-Terra], que vai tocá-la em palco. No fundo, foi ele o meu mestre, passei muitos anos no Clube de Fado, faz sentido começar com ele.” Depois, Cuca passará em revista os seus discos: Cuca Roseta (2011), Raiz (2013) e Riû (2015). “Vamo-nos demorar mais em cada disco. O primeiro era mais sereno e mais tradicional e até o cenário será mais solene, em tons negros. Depois passa para um momento mais fresco, no Raiz, com brancos e castanhos; e por fim a festa, um grande final, com Riû.”

Foram feitos novos arranjos. “Vou cantar alguns temas do primeiro e do segundo disco que já não canto há muito tempo ou nunca cheguei a cantar ao vivo. Por exemplo, o Fado Menor Maria Isabel, que eu fiz e de que gosto muito, era muito difícil para tocar em concerto, especialmente para o guitarrista; mas agora vamos buscá-lo. E haverá o Fado do silêncio, uma homenagem que eu fiz a Lisboa (por mais que viaje pelo mundo inteiro não há cidade que ache mais encantadora)”. No Porto, a homenagem será outra, e vai fazer-se com Porto sentido, de Rui Veloso, que ela tem cantado “a vida toda”.

Com Cuca Roseta (voz) estarão Pedro Viana (guitarra portuguesa), Diogo Clemente (viola de fado), Frederico Gato (baixo) e, nalguns temas, André Silva (percussão).

Memórias afectivas

Teresa Lopes Alves esgotou o pequeno auditório do CCB, em 2015, e volta a ele agora. O seu disco de estreia, Reflexo, de 2010, foi marcado por uma perda (a morte do seu pai, num acidente de barco) e uma grande dor. O novo, a editar em 2017, lida ainda com a dor, mas de outra forma. “Há o amadurecimento de lidar com perdas sucessivas: o meu pai, a minha avó (que foi minha mãe toda a vida), o meu avô, uma amiga muito chegada (com um cancro), tudo isto no espaço de cinco anos. Eu era muito imatura no trato com as afectividades e na relação com a eternidade. Mas reconstruí-me num amadurecimento consciente, vendo como é que podia servir da melhor maneira os que estão à minha volta, através da música e do que sei fazer em casa: cozinhar, buscar os meus filhos.”

Para criar, impõe a si própria um método. Entre Nietzsche e Stanislavski. “Tenho muito a agradecer ao caos, o meu caos. Construo em cima dele. Todas as minhas canções, que são minhas mas começaram por ser de alguém (a quem eu pedi ou que já existiam), têm aliadas muitas memórias afectivas. E eu organizo-as, assim como aos meus dissabores, angústias, alegrias. Olho para um poema e cada frase me leva para um sítio.”

Desde 1 de Janeiro que o material do novo disco está a ser testado. Quatro jovens alunos do Conservatório têm-na acompanhado, em forma de quarteto de cordas. “São o futuro, não haja dúvidas. Tocam maravilhosamente, são arte, são puros, acreditam na beldade, na bondade. Auguro um bom futuro a esta geração, dá-me uma esperança dos diabos!” Além deles, estão envolvidos neste trabalho outros dois músicos já com pergaminhos no fado e não só: João Campos (guitarra clássica) e Bernardo Romão (guitarra portuguesa).

As gravações só começarão depois do concerto no CCB. Com contribuições de vários autores. Um dia, Vasco Graça Moura (“gosto muitíssimo dele e da sua poesia”, diz ela) perguntou a Teresa o que é que lhe faltava, em termos de fado. Ela respondeu: um versículo. “Dois dias depois, enviou-mo pelo correio, manuscrito.” Há também uma marcha do pianista Ruben Alves (“um músico iluminado e luminoso”), composições de Momo, Tiago Bethencourt, Amália Rodrigues (“uma grande poetisa ou uma grande letrista, como ela gostaria de ser chamada”) ou Amélia Muge (“gosto muito do que ela faz, é um portento como ser humano, tal como a Amália, que era lúcida de mais”). No CCB, Teresa há-de explicar-nos tudo isto. E da forma que melhor sabe: cantando.

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