Eleições municipais acentuam a derrocada do PT no Brasil

Na primeira votação depois do impeachment da Presidente Dilma Rousseff, os brasileiros deverão voltar a castigar o Partido dos Trabalhadores, apontam as sondagens.

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Lula da Silva, o maior trunfo eleitoral do PT, fez poucas aparições na campanha ASUYOSHI CHIBA/AFP

As eleições municipais do Brasil vão infligir mais um golpe nas pretensões políticas do Partido dos Trabalhadores (PT) a cargos de poder, depois do processo de destituição da Presidente Dilma Rousseff e da queda do seu Governo. Agora reduzido à condição de um entre muitos partidos de oposição, o PT pode sofrer uma das suas mais pesadas derrotas eleitorais, se se confirmarem-se as tendências apontadas nas sondagens.

O partido que durante o mandato presidencial de Lula da Silva tinha a hegemonia do poder municipal deverá ter o pior desempenho eleitoral dos últimos 20anos: nos grandes centros urbanos, só um dos seus candidatos tem a vitória assegurada à partida (Marcus Alexandre, o presidente da capital do Acre, Rio Branco, que tenta a reeleição), antecipam os números. E só outros cinco candidatos petistas surgem à frente das respectivas corridas, com uma margem reduzida sobre os seus adversários.

Em São Paulo, a maior cidade do país, o candidato do PT, Fernando Haddad, poderá nem chegar a disputar a segunda volta. Há quatro anos, a sua eleição constituiu um sinal de força do partido – a capital paulista é, como o resto do estado, território “tucano” (o animal que simboliza o Partido da Social-Democracia Brasileira). João Doria, o concorrente do PSDB, tem assegurada a passagem à segunda volta, a 30 de Outubro.

O seu provável adversário será o candidato do Partido Republicano Brasileiro (PRB), Celso Russomanno, um ex-apresentador da cadeia televisiva detida pela Igreja Universal do Reino de Deus, à qual está ligado o próprio PRB. Como assinalam os analistas políticos, será a primeira vez, desde a redemocratização, que na disputa municipal de São Paulo estão apenas candidatos de centro-direita.

Factor Lava Jato

Na luta por um segundo mandato, Haddad enfrenta o grande desafio dos candidatos do PT: ser associado à liderança falhada de Dilma Rousseff e também às acusações de corrupção no âmbito da Operação Lava Jato (para os militantes do PT e os adeptos das teorias de conspiração, o facto de terem sido detidos dois antigos ministros de Lula e Dilma, na véspera das eleições, é mais do que uma coincidência).

A ex-Presidente Dilma Rousseff permaneceu afastada da campanha eleitoral, depois de os estudos de opinião demonstrarem que se apoiasse candidatos do PT os prejudicaria nas intenções de voto. O grande cabo eleitoral do partido, Lula da Silva, também não tem tido o protagonismo habitual: sob suspeita dos procuradores da Lava Jato, oficialmente imputado pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, as suas aparições de campanha são reservadas para momentos especiais, em terrenos favoráveis.

Esse não é um fenómeno exclusivo do PT. O PMDB também tem evitado sobrepor a imagem do novo Presidente Michel Temer à dos seus candidatos, consciente da impopularidade do seu líder. Como escrevia a Folha de São Paulo, “ninguém quer aparecer ao lado do Presidente, que passou a ser visto como um espantalho de eleitores”, por causa dos projectos do Governo para a reforma laboral e da previdência, que generalizaram a ideia de perda de direitos dos trabalhadores.

Ainda assim, os dois principais partidos do novo Governo de Brasília, PMDB e PSDB, deverão beneficiar desse ímpeto e projectar-se como as maiores forças no poder local. As projecções eleitorais colocavam os candidatos desses partidos no topo da lista dos “mais competitivos” no chamado G93, o grupo que reúne as 26 capitais estaduais e restantes 67 cidades com mais de 200 mil eleitores – os sociais-democratas  à frente, com 22 candidatos favoritos, e o PMDB com 18.

Novos partidos

Quem pode ocupar o vácuo da derrocada eleitoral do PT? Os comentadores notam que, a nível nacional, a vantagem vai para os grandes partidos alinhados com o novo Governo, enquanto no plano regional, outros como o Democratas (que deverá assegurar, logo à primeira volta, o poder em Salvador) ou o PSB melhorem o seu desempenho.

Os analistas também assinalam benefícios para outros partidos mais pequenos, como por exemplo o PSOL ou o PC do B, dois movimentos da esquerda que desta vez não correram em coligação com o PT – o cientista político André Singer escrevia na sua coluna da Folha de São Paulo que “a incapacidade de se unir prejudicou a esquerda” na passagem à segunda ronda.

Pela primeira vez presente em eleições municipais, a Rede Sustentabilidade fundada pela ecologista e ex-candidata presidencial Marina Silva espera colher frutos do desencanto dos eleitores com os partidos tradicionais. O seu porta-voz, José Gustavo Barbosa, explicava à BBC Brasil que “o objectivo da Rede é mudar a forma de fazer política”, rejeitando alianças com quem quer que tenha “questionamentos éticos”.

Mas como notava o analista Fernando Rodrigues, no seu blogue, o partido apresentou um elenco de candidatos cujos perfis “contrariam as ideias de renovação e aumento da participação feminina propagadas” pela sua líder: nas suas listas, apenas 15% têm idade inferior a 30 anos e só 32% são mulheres (um valor marginalmente superior à quota estabelecida na lei, que é de 30%).

Além da Rede, outros cinco partidos apresentam pela primeira vez candidatos aos cargos de prefeito e vereador: o Partido Ecológico Nacional, Partido da Mulher Brasileira, Partido Novo, Partido Republicano da Ordem Nacional, e Solidariedade. Os eleitores brasileiros não se podem queixar de falta de escolha: o país tem 35 partidos registados e com candidatos inscritos nos boletins de voto.

Apesar da proliferação de partidos e propostas, os analistas brasileiros salientam o desencanto dos eleitores com a política e os seus representantes – uma insatisfação que nestas eleições locais se manifestou em atitudes contraditórias. Tanto de desinteresse na campanha como de agressividade: vários candidatos têm sido insultados em acções de rua.

“Os candidatos têm uma dificuldade maior de andar na rua, tem muita gente indiferente e até hostil. Este ano, o sentimento do eleitor é raivoso”, observava à BBC Mundo o presidente da Associação Latinoamericana de Consultores Políticos, Gil Castilho. “É o ciclo da velha política, que já se vem desgastando há muito tempo, que está a fechar. O descrédito está chegando ao fundo do poço por causa dos escândalos. Os cidadãos estão saturados”, analisa Gaudêncio Torquato, professor de Comunicação Política da Universidade de São Paulo, prevendo um novo recorde de votos nulos e brancos na eleição (o voto no Brasil é obrigatório).

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