Governo reforça apoios a empresas expostas à crise em Angola

Linhas de crédito vão ser aumentadas em 750 milhões. Financiamento para pagar salários em atraso está a ser analisado para evitar impacto nas contas públicas.

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Empresas nacionais têm sido penalizadas por recuo nas encomendas, atrasos nos pagamentos e dificuldades em repatriar capitais REUTERS/Mike Hutchings

O Governo vai reformular as linhas de crédito que estão actualmente ao dispor das empresas portuguesas com actividade em Angola. Está em cima da mesa um reforço global de 750 milhões, a que acrescerá uma linha destinada a regularizar os salários dos expatriados – que está ainda em negociações com o Tesouro, mas que é considerada vital pelo receio de fuga de quadros que existe com a aproximação do Natal. A intenção é que estes apoios sejam formalizados quando António Costa se deslocar ao país, provavelmente até ao final do ano, mas a visita do primeiro-ministro ainda está por agendar.

O executivo está neste momento a trabalhar na reformulação das linhas de crédito com os bancos portugueses e com a seguradora Cosec, em articulação com as autoridades angolanas. O objectivo é minimizar os impactos que a crise em Angola, provocada pela forte quebra das receitas com a exportação de petróleo, está a ter nas empresas nacionais. Além de um recuo nas encomendas, tem havido significativos atrasos nos pagamentos e dificuldades em repatriar capitais. Um dos reflexos mais visíveis é a descida abrupta das exportações portuguesas para o mercado angolano: no primeiro semestre deste ano, as vendas de bens caíram 43,8% face ao mesmo período de 2015, correspondendo a uma perda de 550 milhões de euros.

Uma das alterações mais importantes passa por um reforço de 500 milhões na linha Cosec Convenção Portugal-Angola, que tem hoje uma dotação de 1000 milhões. Este instrumento é destinado a todas as exportações de bens e serviços de origem portuguesa realizadas em Angola, mas tem sido especialmente usado para garantir o financiamento de projectos de infra-estruturas. Com os fundos desta linha, que são disponibilizados pela banca nacional e garantidos pelo Estado português, o Ministério das Finanças angolano, através do Banco Nacional de Angola, põe à disposição dos bancos comerciais o dinheiro necessário para assegurar os pagamentos em Portugal.

A crise financeira e económica que Portugal atravessou nos últimos anos, e o consequente aumento dos spreads praticados pela banca, fez com que o Estado angolano procurasse outras alternativas. Porém, nos últimos meses, tem-se registado um interesse crescente nesta linha de crédito. E, apesar de ainda haver cerca de 600 milhões disponíveis e de ser um instrumento em que a dotação é renovada automaticamente de cada vez que o calendário de um financiamento chega ao fim, o Governo português entende que o cada vez maior recurso de Angola justifica o reforço de 500 milhões.

Seguros mais dilatados

Também estão a ser preparadas alterações aos seguros de crédito da Cosec para exportações de curto prazo, um instrumento com garantia do Estado destinado a vendas para fora da OCDE, mas que tem sido mais utilizado nas transacções com Angola, sobretudo na área do agro-alimentar. Neste campo, a dotação de 250 milhões de euros vai ser aumentada para 500 milhões. Há também já uma proposta da Cosec para dilatar a validade das cartas de crédito dos actuais dois anos para um prazo até cinco anos, para evitar a escalada dos sinistros que se começou a verificar este ano.

Em 2015, foram comunicados 56 sinistros – que podem ocorrer quando as encomendas são suspensas ou os créditos ficam por pagar. E, só até Maio deste ano, o número chegou a 51, sendo que o valor envolvido não tem parado de aumentar. Um outro problema que a dilatação do prazo pretende resolver é o facto de os importadores serem incluídos na lista negra de cada vez que é comunicado um sinistro.

Além destas duas linhas, existe uma terceira, que foi lançada pelo anterior Governo PSD/CDS no início de 2015, para dar apoio à tesouraria das empresas. No entanto, a adesão tem sido reduzida (cerca de sete milhões de euros até agora) por dificuldades nos procedimentos. O mais provável, neste caso, é que o executivo a mantenha por mais algum tempo, até que seja definida uma data-limite para a aceitação de novos pedidos. O tema ainda está, porém, em discussão dentro do Governo, visto que há quem defenda que a linha poderá funcionar, desde que seja melhorada. 

Salários em negociações

Está também a ser preparado um quarto instrumento, que o secretário de Estado da Internacionalização prometeu em Julho, aquando de uma visita a Angola. Trata-se uma linha de crédito, com garantia soberana do Estado português, destinada a regularizar as transferências em atraso, em especial as que dizem respeito aos salários de trabalhadores expatriados. O Governo continua a trabalhar nestes apoios, que os empresários consideram vitais, sobretudo num momento em que temem que muitos dos seus trabalhadores portugueses já não regressem a território angolano após as férias do Natal.

O impacto da crise de expatriados tem provocado quedas importantes nas remessas, embora no primeiro semestre o valor tenha aumentado 2,4% face ao período homólogo, para 99,6 milhões de euros. No entanto, em comparação com 2013, ano em que o preço do petróleo ainda estava em alta, a descida é de 29%.

Neste momento, as secretarias de Estado do Tesouro e da Internacionalização ainda estão a avaliar de que forma pode ser criada esta linha, sem que haja impactos nas contas públicas (por estar subjacente uma situação de incapacidade por parte do Estado angolano de assegurar transferências cambiais). É provável que avance, mas com um valor menor do que o estimado para o montante total dos salários em atraso, que será já superior a 160 milhões de dólares.

O tema dos atrasos nos salários não gera preocupações apenas em Portugal. No Orçamento do Estado rectificativo para este ano, que vai ser votado na sexta-feira, o Governo angolano admite que está a registar-se no país uma “redução da força de trabalho expatriada resultante da dificuldade das empresas obterem divisas para suportar o pagamento dos seus salários”. Uma prova dessa preocupação é o facto de, na segunda-feira, o Banco Nacional de Angola ter anunciado que vai disponibilizar quase 75 milhões de euros em divisas para salários de expatriados, não apenas portugueses.

Questionado sobre esta decisão, o secretário de Estado da Internacionalização, Jorge Costa Oliveira, referiu que “o Governo português tem estado em diálogo permanente com as autoridades angolanas” e que “a disponibilização dos 75 milhões é muito positiva”. “Trata-se de um claro empenho do Governo angolano num momento particularmente difícil em termos de divisas cambiais”, acrescentou.

Levantamento aos atrasos

O Governo espera que a reformulação das linhas de crédito e que o arranque dos novos apoios ao pagamento de salários possam ser anunciados pelo primeiro-ministro, em Angola. Existe a expectativa de que a visita ocorra ainda este ano, mas está dependente da formalização de um convite por parte do executivo do país. No entanto, as alterações só deverão chegar ao terreno em 2017.

Mais rápida será a conclusão de um levantamento que começou a ser feito há cerca de 15 dias para apurar os valores das transferências globais em atraso para as empresas portuguesas, que se estima que rondem já alguns milhares de milhões de dólares. O trabalho está a ser feito pelo corpo diplomático de vários países, incluindo Portugal, na sequência de um pedido feito pelo Banco Nacional de Angola.

Num boletim divulgado recentemente, a subsidiária do Banco Angolano de Investimentos em Lisboa admitia uma “crescente acumulação de pagamentos em atraso ao exterior”, que estão a causar “sérios transtornos à gestão da tesouraria de muitas empresas portuguesas”.

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