“Estado actual não é o mais condizente com a venda em bolsa” do Novo Banco

Mário Centeno sai em defesa da recapitalização da Caixa. Sobre o governador do Banco de Portugal, nem tanto

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Mário Centeno, ministro das Finanças Miguel Manso

O ministro das Finanças não deixa de apontar o dedo ao governador Carlos Costa por causa da decisão de transferir parte da dívida do Novo Banco para o BES. Diz que a operação está a ter impacto negativo nos juros da dívida pública do país

 O “Brexit”, e o impacto que está a ter nos mercados, matou de vez a possibilidade de o Novo Banco ser vendido em bolsa?
Só não sei responder a essa pergunta porque não sou eu que estou a acompanhar no dia-a-dia o processo de colocação, se se chegar a essa fase, em bolsa do Novo banco. Mas é evidente que o estado actual das bolsas europeias não é o mais condizente com o lançamento de operações de venda em bolsa.

Acha que a venda vai ser adiada?
A minha expectativa é que venha a concretizar-se nos prazos estabelecidos.

Até ao final do mês?
É por aí.

No caso da Caixa Geral de Depósitos, apesar de ainda estarem a decorrer negociações, qual é o valor mínimo de capital de que o banco precisa?
Esses valores decorrem de exercícios de supervisão e de análises do balanço da Caixa, que estão a ser feitos com as autoridades, quer em Frankfurt quer em Bruxelas. O objectivo do Governo com o processo de nomeação de uma nova administração, a alteração dos critérios de governação e o plano de negócios e de recapitalização é apenas um: permitir à Caixa ser um banco que se financia a taxas de mercado, como os seus concorrentes o fazem, para que possa posteriormente dar crédito nas mesmas condições. É um banco que tem uma lógica estritamente de intervenção num mercado concorrencial, que é a forma como o banco Caixa melhor pode servir os portugueses e as empresas e famílias. Valores mínimos... dependem das análises que forem feitas junto das autoridades. Não queremos capitalizar a Caixa por capitalizar. Já expliquei que uma boa parte do que é necessário para a Caixa é um investimento. Capital é apenas a componente que tem que ver com a parte regulatória, e a Caixa nesse ponto de vista necessita também de um reforço de capital. Depois há a dimensão de capital na CGD que tem que ver com o plano de negócios e, portanto, a redefinição da sua estrutura de pessoal, e internacional. Finalmente, há também a necessidade de colocar a Caixa com índices de cobertura da sua carteira de crédito semelhantes ao que vigora no mercado.

É possível o cenário em que a capitalização da Caixa passe nas autoridades de concorrência mas o Eurostat obrigue a que tenha um impacto no défice?
O trabalho que está a ser feito junto da Comissão Europeia é precisamente para que essa situação não aconteça. Uma das condições necessárias, mas não suficientes — não é claro ainda neste momento porque tem de ser feita uma consulta às autoridades sobre essa matéria —, é que a recapitalização seja vista como ocorrendo em condições de mercado.

Ainda não consultaram o Eurostat?
Não, ainda não consultámos as autoridades estatísticas, porque estamos neste momento a trabalhar na Comissão Europeia, junto da Direcção-Geral da Concorrência.

Se obrigarem que a ajuda à Caixa vá ao défice, como fizeram no passado, o que vai fazer?
A questão de ir ou não ao défice é muito relevante: há uma interpretação clara do que estamos a fazer no processo de recapitalização da Caixa e que tem uma dimensão de investimento que tem de ser valorizada. Se não é vista dessa maneira, temos de saber porque não o é. Usar dinheiros públicos para a recapitalização da Caixa tem de ter critérios, e estes, neste caso, são claros para o Governo.

Isso leva tempo, e a Caixa vai entretanto ter de pagar os Cocos [empréstimo contingente] a médio prazo.
Não é possível ter este debate durante muito tempo. É uma coisa que tem de ser vista rapidamente.

Houve muitas críticas à decisão de passar algumas obrigações do Novo Banco para o BES. Estão a fazer alguma coisa para mediar esse conflito?
Não, a única coisa que dissemos foi que nos preocupava bastante. Essa operação, aliás, teve impacto e ainda está a ter. Impacto, por exemplo, nas taxas a que o país se financia no mercado de dívida, impacto que existe sobre o sistema financeiro português. O que dissemos é que sinalizámos essas nossas preocupações, mas na dimensão legal deste processo, o Governo não está envolvido.

Numa das várias deslocações ao Parlamento por causa do Banif, afirmou esperar que a comissão parlamentar apure se houve “falhas graves de condução política e de supervisão” por parte do anterior Governo e do Banco de Portugal. Se for essa a conclusão, pede a Carlos Costa para sair do cargo de governador?
Temos de ver à luz do enquadramento institucional o que é que isso significa, de que tipo de falhas estamos a falar, e avaliar. É difícil avaliar assim as tomadas de consequências. Aliás, disse na tomada de posse dos dois novos administradores [do Banco de Portugal], e que tomo para mim próprio, que é que quando somos nomeados para cargos que têm uma dimensão pública, a execução desses cargos deve ser sempre avaliada pelo interesse público. Está a pôr-me perante um cenário hipotético, também tenho de responder do ponto de vista hipotético. É para isso que se fazem as comissões parlamentares, para averiguar o que é que correu mal. Está dentro do espectro do que correu mal poder ter havido esse tipo de falhas. Esperemos tranquilamente.

Uma última pergunta, também ela hipotética. No cenário da saída do governador, até por uma eventual vontade própria, veria com bons olhos Elisa Ferreira como governadora do Banco de Portugal?
[Risos.] Agora entrámos de facto nos cenários hipotéticos [risos]. Como disse na altura da apresentação dos novos administradores, o currículo da professora Elisa Ferreira é conhecido de toda a gente, o seu activismo enquanto deputada europeia nesta área financeira e da regulação e supervisão é conhecido de todos. Estamos num cenário de hipóteses e continuaria nesse cenário a valorizar o currículo da professora Elisa Ferreira e, enfim, isso não alteraria em nada as qualificações da professora Elisa Ferreira.

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