À porta de Downing Street, Cameron lança um desafio: Brits don't quit

Enquanto o primeiro-ministro falava em "sonhos" aos eleitores mais velhos, trabalhistas faziam uma tentativa para dar fôlego à campanha pelo "ficar". “As próximas horas vão determinar o futuro do Reino Unido".

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David Cameron foi acusado de ter violado a lei ao falar à porta de Downing Street Stefan Wermuth/Reuters

David Cameron fez um apelo directo ao voto no “ficar" na União Europeia enquanto primeiro-ministro, usando o emblemático n.º10 de Downing Street para se dirigir sobretudo aos britânicos com mais idade, aqueles que todas as sondagens dão como os eleitores mais desejosos de virar as costas a Bruxelas. “Quando decidirem ficar ou partir, pensem nas esperanças e nos sonhos dos vossos filhos e netos. A próxima geração terá de suportar as consequências muito mais tempo do que nós”.

Brits don’t quit [os britânicos não desistem]", afirmou Cameron, numa frase destinada a tornar-se um slogan eleitoral.

“Se sairmos, deixaremos que tomem decisões sobre nós, sem nós”, sublinhou, para chegar ao ponto principal: “Sobretudo, está em causa a nossa economia", disse, num dia marcado por alertas relativos à economia. O investidor George Soros sugeriu num artigo no Guardian que um resultado a favor do “Brexit” na quinta-feira, podia resultar numa “sexta-feira negra” para o Reino Unido, com a cotação da libra a cair em flecha, mas sem que isso trouxesse os benefícios económicos normalmente expectáveis com uma desvalorização, porque não há margem para mexer mais nas taxas de juro, que já estão muito baixas.

“A economia será mais forte se ficarmos, mais fraca se sairmos. No curto prazo enfrentamos uma recessão, no médio uma década de incerteza, no longo prazo, uma vida com menos empregos”, disse David Cameron. Na pele de primeiro-ministro, fez um apelo: “Quero falar aos que são da minha geração e ainda mais velhos. Sei que a Europa não é perfeita. Por isso negociei e melhorei o nosso estatuto. Temos o melhor de dois mundos”, assegurou, para pedir a esses mais velhos que reflictam no que acontecerá aos mais novos se votarem na saída do Reino Unido da UE. “As suas possibilidades de trabalhar e de viajar dependem do resultado deste referendo. Eles não vão poder desfazer a decisão que nós tomarmos. Se votarmos pela saída está feito, deixaremos a Europa de vez."

Este uso da posição oficial de primeiro-ministro para fazer campanha por um dos lados em disputa no referendo do “Brexit” parece quebrar as regras do purdah - o período pré-eleitoral em que o Governo não deve fazer grandes anúncios que possam influenciar sondagens ou resultados das eleições ou referendos. A convenção que há muto vigora foi transposta para a lei em 2000 e um porta-voz de Downing Street garante que o “apelo pessoal” de Cameron não violou a lei. A campanha pelo “sair” diz que não vai contestar o eventual abuso do purdah pelo primeiro-ministro porque “ele não disse nada de novo”, diz a Spectator.

Ainda Jo Cox

Enquanto Cameron apelava aos sonhos dos país e avós para os seus filhos e netos, o líder trabalhista britânico, Jeremy Corbyn, tentou acelerar nesta recta final da campanha, depois de ter sido acusado de ter feito pouco pela campanha do permanecer.

Corbyn, que tenta afastar a ideia de que não se empenhou o suficiente na campanha pela permanência - a posição oficial do Labour, embora se lhe reconheçam poucas simpatias pela UE -, evocou a deputada trabalhista Jo Cox, morta a tiro na semana passada. “Em sua memória, vamos fazer campanha como nunca, por uma sociedade decente e justa que respeite toda a gente”, afirmou o líder trabalhista em Manchester.

Mas também ele não apresentou ideias novas num discurso onde tentou fazer passar a mensagem de que “as próximas horas vão determinar o futuro do Reino Unido”. A questão, para Corbyn, coloca-se sobretudo em termos de garantir os direitos dos trabalhadores - que estão melhor defendidos com o Reino Unido dentro da UE.

“De todos os argumentos apresentados nas últimas semanas, a decisão desta quinta-feira pode ser resumida a uma questão crucial: o que é que é melhor para o emprego no Reino Unido, para os direitos no trabalho e a nossa prosperidade futura? A 23 de Junho temos de fazer uma escolha: ficamos para proteger o emprego e a prosperidade no Reino Unido que depende do comércio com a Europa? Ou entramos num futuro desconhecido com os partidários da saída, onde um 'Brexit' liderado pelos conservadores põe em risco a recuperação económica e ameaça destruir os direitos dos trabalhadores?”, interrogou Corbyn, num discurso que pareceu talhado pelos sindicatos. O seu apelo não é pela Europa, nem pelos jovens, é o mais pragmático possível: “Juntem-se a mim num voto que protege empregos e direitos no trabalho.”

Corbyn também anunciou estar “muito, muito pronto” a apoiar a realização de eleições legislativas antecipadas após o referendo. “Se o Governo não poder continuar e acabar por decidir que precisa de circum-navegar a Lei da Legislatura de Duração Determinada para haver eleições mais cedo, só posso dizer que estamos prontos”, afirmou o líder trabalhista, oferecendo os seus votos para compor uma maioria de dois terços que seria necessária para convocar eleições antecipadas, antes do prazo de cinco anos ditado pela lei. Esta proposta vai ao encontro da especulação que se tem verificado sobre a possibilidade de os conservadores preferirem ir a votos mais cedo para aplanar as convulsões internas e tentar conquistar o apoio dos eleitores para um novo líder do partido após o referendo.

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