Há um português na equipa de Hillary que faz contas para a eleger

Bruno Carvalho é director de "mobile" da campanha “Hillary for America”. “Reporter”, a sua primeira aplicação, tem feito toda a matemática nos “caucus”

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Há quase um ano, pouco depois de anunciar a candidatura à presidência dos Estados Unidos da América no YouTube, Hillary Clinton tweetou: “Estamos à procura de engenheiros que ajudem a criar a próxima revolução nas campanhas [eleitorais] digitais. Candidata-te agora.”

Precisamente por essa altura, Bruno Carvalho, engenheiro português emigrado nos EUA desde 2013, estava de saída da Timehop, a aplicação do dinossauro azul que leva os utilizadores a viajar no tempo, e alimentava algumas “crises existenciais”. “Queria fazer a diferença”, conta, em entrevista ao P3 pelo Google Hangouts, a partir do seu apartamento num 31.º andar de Brooklyn. Seguiu o conselho da namorada e, ciente de que “não ia dar em nada”, enviou a sua candidatura, até um pouco por piada — há alguma ironia nisto de um cidadão não americano querer trabalhar numa campanha eleitoral num país que não é o seu.

E-mail enviado. Duas horas mais tarde, a entrevista estava marcada. Em Outubro, era oficial: depois de passagens por empresas como Timehop, Livestream e Droplr, o jovem de 30 anos tornava-se no director de "mobile" da campanha “Hillary for America” (HFA). E o que é que isso significa na prática? Muito ainda é “top secret” — não há, que vejamos, uma “app“ da candidata. Da estratégia digital e do que aí virá, Bruno pouco nos diz — é público que na equipa se encontram Teddy Goff, director digital da campanha de reeleição de Barack Obama, e Stephanie Hannon, que trocou a Google por Clinton. Sabemos também que a candidata domina as redes sociais, estando presente no Facebook, Twitter, YouTube, Instagram, Pinterest e Snapchat (quem não se lembra destes segundinhos virais?), e que não se esquiva a “selfies”. Mas mais estará para vir — dizemos nós.

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Bernie Sanders tem encontrado uma larga franja de apoio entre os jovens Jim Young/Reuters

Reporter: uma “app” para as contas dos “caucus”

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A Reporter tem sido usada em todos os “caucus” DR

Por enquanto, muito do trabalho de Bruno pertence aos bastidores: “O objectivo não é criar um produto, uma aplicação. É fazer com que o trabalho das pessoas que trabalham na campanha seja mais fácil, que consigam fazer mais em menos tempo.” Foi por estas e por outras a 1 de Fevereiro, dia do primeiro “caucus” no Iowa, Bruno estava em pulgas — e não era para menos. O confronto inaugural entre os candidatos do Partido Democrata, Hillary Clinton, Bernie Sanders e Martin O’Malley (que se afastou nesse dia), marcava o grande teste da Reporter, aplicação, desenvolvida pelo jovem português em colaboração com um engenheiro de sistemas, que nessa noite terá sido a melhor amiga dos “precinct captains” da campanha HFA. Isto porque numa das maiores democracias do mundo, o processo eleitoral não é simples, pelo contrário.

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Screenshots da aplicação DR

Primeiro, como explicava Alexandre Martins no PÚBLICO em Fevereiro, há que escolher entre os vários candidatos de cada partido: é a fase das “primárias”, que decorre até 14 de Junho, em que, ao contrário da votação directa, os eleitores contribuem para que o seu candidato preferido acabe a noite com mais delegados do que os seus opositores. Pressupõe duas formas de escolha: as eleições primárias, em que, como em Portugal, os eleitores se dirigem a um local de voto num determinado dia, votam e regressam a casa, e os “caucus”, ou assembleias, uma reunião de eleitores registados ou simpatizantes de um partido que devem estar num determinado sítio a uma hora certa. No caso do Partido Democrata, este processo é complicado e moroso. Os eleitores encontram-se num local, são contados e têm de se dividir em grupos de acordo com as suas preferências. É feita uma primeira contagem, em que os candidatos que não tenham pelo menos 15% dos apoiantes são considerados “inviáveis”. A partir daí, os apoiantes dos outros candidatos têm de tentar levar esses eleitores para os seus grupos e é feita a contagem final.

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Hillary não se esquiva a selfies Mario Anzuoni / Reuters

O que a Reporter faz, explica Bruno, é ajudar os “precinct captains”, voluntários que apelam ao voto e gerem todo este processo, a “fazer a matemática”: só têm de inserir o número de eleitores e de votantes e a “app” diz, automaticamente, quantos delegados é que esse valor representa. Mas não se fica por aqui: em casos em que não há uma distribuição perfeita de delegados entre os candidatos, também mostra soluções para o desempate. Por exemplo, após a primeira contagem, pode indicar quantas pessoas são necessárias convencer para alcançar os delegados necessários para a vitória ou, até, apresentar estratégias: mover “xis” pessoas para o grupo de um outro candidato, tornando-o “viável”, o que faz com que o adversário directo perca “xis” delegados.

A Reporter tem sido usada em todos os “caucus”, adaptando-se às diferentes “problemáticas” e “matemáticas” de cada estado. “O objectivo da aplicação é fazer com que os ‘precinct captains’ tenham todos o mesmo nível de experiência”, diz Bruno, até porque se há alguns que “já fazem estas contas de cabeça”, outros são estreantes. Por outro lado, permite à campanha ter dados “em tempo real” das várias votações, o que ajuda nas previsões e, até, na confirmação dos resultados oficiais. O algoritmo só não contempla situações de desempate — como a intrigante “moeda ao ar”.

Não é um “emprego”, é uma “aventura”

Diversidade ajuda, diz Bruno, elogiando a equipa da campanha Hillary for America

Até agora, Bruno estava habituado a que o seu trabalho atingisse directamente o mundo inteiro. Bastava-lhe pôr uma aplicação na AppStore e alcançava 17 milhões de pessoas. “E eram coisas que fazia sem me preocupar muito”, admite. Não deixa de ser curioso que uma aplicação que só é útil a uns poucos milhares o deixe “bastante mais nervoso”. O que também diz algo sobre o que é trabalhar numa campanha à presidência dos EUA: “[Escolher este emprego] não é ir atrás de um salário extremamente confortável, de almoços grátis e ginásios pagos como numa ‘startup’ de cá. É fazer algo que realmente pode fazer a diferença. A próxima pessoa a ser eleita vai afectar o mundo inteiro e se eu puder ter contribuído de alguma maneira, mais ínfima que seja, para colocar uma pessoa responsável nesse cargo, acho que vale a pena um ano de noites mal dormidas.”

O futuro de Bruno não deverá passar por Portugal

Não é um “emprego”, é “mais uma aventura”, rumo à “eleição da primeira mulher presidente dos EUA” (“Já está na altura!”). Apesar de o jovem português não ter cidadania americana, logo não votar nestas eleições, acredita em Hillary Clinton e no seu efeito aglutinador. “Acho, genuinamente, que ela é a única pessoa que está a concorrer a estas eleições que consegue ser relevante para uma pessoa em Nova Iorque e para outra no Alabama.” Para Bruno, Bernie Sanders, que tem encontrado uma larga franja de apoio entre os jovens, “apregoa uma revolução” que é altamente “radical para os EUA”, um país “que tem um congresso completamente bloqueado por republicanos”, o que, como se sabe, deu grandes dores de cabeça — e lágrimas — ao actual presidente, Barack Obama. Considerando tudo isso, só vê uma solução viável: “Hillary é a presidente para o país em que eu vivo.” Além de, a seu ver, ser a única que, ao contrário de Sanders, poderia fazer frente a Donald Trump, cada vez mais perto de conseguir a nomeação republicana: “É um bocado assustador. Começamos a perceber que há coisas muito sérias em jogo e temos mesmo de ganhar isto.”

Nos escritórios, onde convive com uma equipa tão “diversa” quanto a própria América (ouvir som à esquerda), o ambiente “é relaxado com sentido de urgência”: “É uma maratona, não um ‘sprint’”. Ainda não conheceu pessoalmente Hillary, mas já apertou a mão ao marido, Bill Clinton, o primeiro presidente norte-americano que se lembra de ver na televisão. E agora está ali, entre eles: “É um bocado surreal.”

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