King Kong real não conseguiu adaptar-se e extinguiu-se há 100 mil anos

Dentes e alguns ossos da mandíbula é tudo o que se conhece dele. Ainda assim, através destes fósseis os cientistas estimaram o tamanho desse animal e inferiram o que comia e por que desapareceu.

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Estimativa do tamango do Gigantopithecus em comparação com o de um humano Hervé Bocherens
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Molar da colecção do Instituto Senckenberg de Frankfurt, recolhido na China por G. H. R. von Koenigswald Wolfgang Fuhrmannek
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Instituto Senckenberg
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Dentes do Gigantopithecus recolhidos na Tailândia Yaowalak Chaimanee

Há cerca de um milhão de anos, nas florestas da China e da Tailândia vivia um símio tão grande — talvez o maior que alguma vez existiu na Terra — que terá atingido entre 1,8 e três metros de altura e pesado 200 a 500 quilos. É difícil não pensarmos logo no famoso King Kong dos filmes que, no topo do Empire State Building, levantava no ar a rapariga que lhe cabia na mão, ainda que o tamanho do símio real não fosse tão descomunal. O Gigantopithecus blacki, que só existiu no Sudoeste asiático, desapareceu há 100 mil anos. Para trás, deixou-nos alguns fósseis — poucos —, que uma equipa de cientistas usou agora para tentar inferir a sua dieta e se a extinção se terá devido a uma incapacidade de adaptação às mudanças ambientais. Sim, deveu-se, concluiu a equipa num artigo na revista Quaternary International.

A descoberta dos primeiros fósseis do Gigantopithecus remonta a 1935 e é da autoria de Gustav Heinrich Ralph von Koenigswald, paleoantropólogo nascido na Alemanha e que no final da década de 1930 se tornou cidadão holandês. O investigador tinha-se deparado com os fósseis deste King Kong real em Hong Kong e noutras cidades da China, em drogarias. À venda como “ossos de dragão”, esses ossos e dentes, uma vez reduzidos a pó, são considerados pela medicina tradicional chinesa como tendo poderes curativos. Actualmente, o material recolhido por G. H. R. von Koenigswald faz parte da colecção paleoantropológica do Instituto Senckenberg de Investigação em Frankfurt, na Alemanha.

Mesmo hoje, 80 anos depois da descoberta dos primeiros vestígios deste King Kong pré-histórico, tudo o que se conhece dele limita-se a uns dentes isolados e alguns ossos da mandíbula. Ainda assim, utilizando o tamanho da coroa dos molares — que têm cerca de 2,5 centímetros de diâmetro —, os cientistas atreveram-se a estimar o tamanho do animal.

Mas durante todas estas décadas, o que comiam estes símios gigantes tem sido alvo de grande debate, com uma série de hipóteses em confronto: alguns cientistas defendiam que a dieta era vegetariana, outros que só comiam exclusivamente bambus, e havia ainda quem considerasse que era carnívoro.

“Tem sido sugerido um largo espectro de dietas para o Gigantopithecus, indo desde carne ou ervas na savana aberta até a uma dieta vegetariana dominada por frutos ou bambus. Para determinar qual era o seu habitat e compreender por que se extinguiu, tentámos avaliar o seu nicho alimentar”, lê -se no artigo na Quaternary International. “Alguns estudos consideraram que o bambu era a componente principal da sua dieta, uma visão que se disseminou na literatura popular. Porém, investigações mais recentes dos padrões microscópicos de desgaste dos dentes puseram em dúvida que o bambu dominava a dieta e concluíram que o Gigantopithecus tinha uma dieta vegetariana genérica dominada por frutos, semelhante à dos chimpanzés”, acrescenta o artigo da equipa do Centro Senckenberg para a Evolução Humana e Paleoambiente em Tübingen e do Instituto Senckenberg de Investigação em Frankfurt.

Para o novo estudo, os cientistas analisaram os dentes guardados na colecção do Instituto Senckenberg de Frankfurt, recolhidos por G. H. R. von Koenigswald na China, bem como dentes encontrados na Tailândia, em expedições franco-tailandesas desde 1985. Além disso, fizeram comparações com a composição de ossos de mamíferos carnívoros e herbívoros tanto actuais como extintos do Sudeste asiático. O que analisaram na composição dos ossos e do esmalte dos dentes foram alguns isótopos (formas) estáveis de carbono, que variam conforme a dieta do animal a que pertenceram e, assim, revelam os seus hábitos alimentares.

“Os nossos resultados indicam que estes grandes primatas viviam apenas na floresta e obtinham a sua comida neste habitat. O Gigantopithecus era exclusivamente vegetariano, mas não era especializado em [comer] bambu”, refere Hervé Bocherens, do Centro Senckenberg para a Evolução Humana e Paleoambiente, citado num comunicado de imprensa.

“No Sudeste da China, o Gigantopithecus vivia num ambiente florestal, tal como a fauna sua contemporânea, enquanto na Tailândia ocupava só a parte florestal de uma paisagem em mosaico que incluía partes significativas de savana”, especifica o artigo. “A composição isotópica do carbono do Gigantopithecus era muito diferente da dos taxa [grupos de classificação] de omnívoros e carnívoros e, embora semelhante à dos orangotangos, era distinta da dos pandas-gigantes, que se especializaram em bambus. Por isso, mesmo quando a paisagem era savana, o Gigantopithecus procurava alimentos só na floresta.”

Olhando para os orangotangos
E é precisamente nessa restrição a um único tipo de ambiente que residirá parte das razões para a extinção do maior símio da Terra. “O grande tamanho do Gigantopithecus, combinado com um nicho alimentar relativamente restrito, poderá explicar o seu desaparecimento durante a redução drástica das florestas que caracterizou os períodos glaciares no Sudeste asiático”, conclui o artigo.

Mas outros parentes do Gigantopithecus, como os orangotangos, não tiveram o mesmo destino, apesar de também viverem num tipo de habitat específico. Hoje encontramo-los nas florestas tropicais do Bornéu e de Samatra. Sobreviveram graças a um metabolismo lento, por isso conseguem viver com pouca comida, enquanto o seu parente extinto precisaria de grande quantidade de alimentos. “Provavelmente, o Gigantopithecus não tinha a mesma flexibilidade ecológica e faltar-lhe-ia capacidade fisiológica para resistir ao stress e à falta de comida, o que terá levado à sua extinção”, remata o artigo.

Uma vez que os fósseis são poucos, resta muito espaço à ficção e ao cinema para imaginar um primata desses. “[Os fósseis] são claramente insuficientes para dizer se o animal era bípede ou quadrúpede ou até imaginar as suas proporções”, admitiu Hervé Bocherens à agência de notícias AFP. “Alguns apresentam-no como um orangotango sobredimensionado, que é a opção escolhida para o rei Louie [o rei dos macacos que rapta Mogli, o menino-lobo, no Livro da Selva, de Rudyard Kipling] num filme [uma nova adaptação da Disney] que vai estrear-se em Março.”

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