Portugal e o futuro

O tema central não é, por isso, a legitimidade democrática da esquerda em formar Governo, mas antes o que pretende fazer com essa legitimidade.

O grande vencedor destas eleições foi a abstenção. Todos perdemos. A começar pelos chamados partidos do arco da governação. Nem o PaF, nem o PS conseguiram aquilo que pretendiam: a maioria absoluta.

É óbvio que cabe ao Parlamento encontrar agora uma resposta, sendo absurdo vislumbrar um golpe de Estado na formação de um Governo apoiado pela esquerda parlamentar. Os partidos de esquerda têm tanto direito de formar uma maioria parlamentar, como os partidos de direita. É certo que essa nunca foi a experiência portuguesa. Mas não podemos ser reacionários e rejeitar este cenário apenas por que não foi anunciado na campanha. Afinal, quantos Governos cumpriram o que prometeram em campanha?

Independentemente da forma como se queiram ver as coisas, as últimas semanas têm revelado sinais preocupantes de falta de sentido de Estado. Ver metade do Parlamento a acolher em silêncio a escolha do seu novo presidente não é um bom augúrio. Ver o PS, e os seus aliados assumirem os mesmos tiques dos seus antecessores, declarando votar contra um Orçamento sem o conhecerem, é tudo menos positivo. Sobretudo, quando as propostas da PàF são mais próximas do modelo proposto pelo PS em campanha do que aquelas que o próprio PS parece estar disposto a negociar com os seus parceiros à esquerda.

O tema central não é, por isso, a legitimidade democrática da esquerda em formar Governo, mas antes o que pretende fazer com essa legitimidade.

Ao analisar-se os programas do PS, BE e PCP, parece evidente que o principal foco da sua proposta governativa passará pelo alívio da austeridade, compensada por medidas centradas no agravamento fiscal. Tudo na esperança de devolver poder de compra às famílias e arrebitar a economia.

Como é óbvio, a proteção social é de louvar. O problema está no caminho proposto para lá chegar.

Numa altura em que a economia europeia está estagnada, e em que o cumprimento das metas orçamentais mais parece um exercício de equilibrismo circense, será, no mínimo, naif acreditar que será possível acabar com a austeridade à custa do aumento dos impostos.

É verdadeiramente confrangedor verificar que as propostas do BE e do PCP continuam a desprezar a realidade que nos rodeia, indiferentes aos efeitos que irão causar a uma economia demasiado débil. Não é preciso ser-se vidente para antecipar que o agravamento fiscal da classe média e das empresas implicará uma fuga de investimento e de capitais.

Já descontando os efeitos de se violar de novo a estabilidade fiscal, as medidas contidas nos programas do PS, BE e do PCP, como (i) o agravamento das taxas do IRS (até 65%?), (ii) a tributação das fortunas e do património, (iii) a tributação sucessória, (iv) a tributação das transações bolsitas e financeiras, ou (v) o fim da Zona Franca da Madeira (ZFM), vão fazer implodir a atratividade de Portugal.

A começar pela tributação direta e indireta sobre as famílias. Será que a coligação de esquerda não percebe que confiscar as famílias (com cargas tributárias da ordem dos 80% entre impostos diretos e indiretos) tornará insuportável trabalhar em Portugal? E que a imposição de impostos sobre as fortunas e sucessório conduzirá a fenómenos de dupla tributação, convidando os estrangeiros que vivem em Portugal a abandonar o País? E que a banca, ao contrário do que se apregoa, não pode ser mais penalizada quando ainda tem de pagar o BES?

Um último exemplo. Talvez o mais absurdo. A extinção da ZFM. Alguém já pensou no impacto que a extinção de 4.000 postos de trabalho terá na região? E na receita fiscal que se perde (EUR 134 milhões em 2014)? E na perda de investimento estrangeiro (EUR 277 milhões em 2013)?

Claramente, as medidas compensadoras têm de ser encontradas em outro lugar. Por exemplo, na renegociação da taxa de juro contratada com a Europa e que, incompreensivelmente, é muito superior à praticada com a Grécia e a Espanha. Aí sim, é possível ir buscar os 2 ou 3 mil milhões de euros para financiar as medidas sociais propostas.

Acabamos como começámos. Institucionalmente nada impede que o (futuro) novo Governo tenha como origem o segundo partido mais votado. O que não parece admissível é aceitar um programa de Governo inspirado numa versão romanceada e desfasada da realidade e que nada trará de positivo a Portugal. 

Advogado, sócio coordenador da Área de Direito Fiscal de PLMJ

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