Alvíssaras!

Os democratas do nosso país têm razões para se regozijarem com esta tardia liquidação do PREC.

Nunca nos conformámos com a existência de um Partido Comunista e um Bloco de Esquerda que apenas servissem para enfeitar a democracia portuguesa. Não compreendíamos que partidos políticos, pagos pelos contribuintes, se satisfizessem com o mero protesto. Não era isso que, no nosso entender, justificava a existência de partidos.

Compreendíamos a inexistência de vocação governamental, nestes partidos, como uma forma de não quererem jogar o jogo da democracia. Temíamos, mesmo, que a não-aceitação das regras do jogo democrático exprimisse sentimentos antidemocráticos: o famoso quanto pior melhor!

Aceitar as regras do jogo democrático implica sempre abertura para negociar, e com base em negociações, poder governar. Quem, de boa-fé, aceita as regras da democracia, admite sempre que há males maiores e males menores. Negociar é também admitir que se podem impedir males maiores. É benéfico ser-se programaticamente transparente. É mau não se admitir que a democracia vive no mundo do possível: e que o possível pode ser o resultado de negociações.

Durante anos, participámos num movimento, Convergência e Alternativa, que tinha como finalidade procurar uma possível colaboração entre os partidos de esquerda. Víamos como lamentável que um inaceitável preconceito afastasse a possibilidade de uma convergência à esquerda. Considerávamos que tal situação amputava a democracia portuguesa.

Deverá competir a um movimento cívico, como foi o caso da Convergência e Alternativa, procurar essa convergência. Ou aos partidos interessados. Não deveria ser o objectivo de um partido. Os partidos devem existir para realizar programas e não para postularem a necessidade de convergências: daí a nossa reserva ao canto de sereia do Livre, apesar de acompanharmos, com muito interesse, o seu experimentalismo no campo da democracia participativa.

Um partido que tem como objectivo a convergência de outros partidos, quando esta se proporciona, corre o risco de deixar de ter sentido! Ficamos surpreendidos com a abertura do PS, propondo-se negociar com os diferentes partidos com tradução parlamentar. E ainda mais com a disponibilidade do PCP para negociar, e mesmo poder participar, num futuro Governo. Os democratas deviam alegrar-se com tudo o que fortalece a democracia portuguesa: e estes factos vão nesse sentido!

A existência de uma maioria de esquerda no Parlamento legitima uma possível governação à esquerda. Possibilidade que sempre existiu, mas que o BE e o PCP não admitiam. Os democratas do nosso país têm razões para se regozijarem com esta tardia liquidação do PREC.

Se encaramos a possibilidade de PS, BE e PCP se entenderem para viabilizar um possível Governo, há assuntos que deverão ser discutidos. As condições que foram indicadas por Catarina Martins para viabilizar um entendimento com o PS não põem em causa a manutenção de Portugal na União Europeia, no Eurogrupo ou na NATO. Nem mesmo a renegociação da dívida. Apesar de já há muito termos defendido neste diário a inevitabilidade de renegociar a dívida, assim como também admitimos, neste mesmo jornal, a eventualidade de termos que sair da zona euro, se não forem tomadas medidas no sentido de avançarmos para um aprofundamento da democracia europeia. O que obrigará, no nosso entender, a avanços federais.

A democracia não impõe barreiras aos programas dos partidos, entendidos dentro dos parâmetros constitucionais: o que é o caso, tanto para o PCP como para o BE. A participação do PCP, do BE e do PS na preparação de um Governo é inclusiva. Para mais, no que nos diz respeito, consideramos legítimas as dúvidas do BE e do PCP ao “tratado orçamental” que está na linha das correntes neoconservadoras do Partido Republicano americano.

Admitimos, também, como necessária a renegociação da divida: em “aberto” ou em “discreto”. Consideramos que a introdução do euro foi mal gerida no plano institucional, não devendo haver avanços institucionais que agravem este desajustamento e disfuncionalidade.

A presença de partidos com estas dúvidas, para nós absolutamente legítimas, são factor de regozijo e não de rejeição, mesmo que pragmaticamente possam não ser oportunas. O que tem de ser fruto de negociação. A abertura dos três partidos em causa, admitindo negociar a viabilidade de um Governo, são já para nós “alvíssaras”.

Estamos certos que a nossa democracia não mais será como antes.

P.S.: Está em discussão no seio do PS a eventualidade de um referendo, para que os militantes decidam se querem entender-se com a direita ou com a esquerda. Defensores convictos da democracia participativa, só podemos regozijar-nos com uma opção que ouça os militantes.

Professores catedráticos

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