Os meninos austríacos enviados para Portugal após a II Guerra vão ter um estudo só deles

Projecto de investigação só deverá estar concluido em Dezembro de 2018 e será a primeira sobre este tema realizada em Portugal.

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Hannelore Rodrigues Cruz , austriaca que veio pela Caritas para Portugal em 1948. Vive em Braga Rui Farinha

Nos anos que se seguiram ao final da II Guerra Mundial, com a Europa ainda em escombros, várias famílias em Portugal acolheram mais de 5500 crianças austríacas. A maior parte vinha por curtos períodos de tempo, outras acabaram por ficar por cá. Chegavam através da Cáritas, sem saber falar a língua, a um país muito diferente do que deixavam para trás e onde não conheciam quem os iria receber. Apesar de as suas histórias não serem desconhecidas, faltava uma investigação profunda sobre quem foram estas crianças e os problemas de acolhimento e integração que enfrentaram. Essa lacuna está em vias de ser colmatada.

O projecto “’As Crianças Cáritas’, entre a Áustria e Portugal (1947-1962)” está a dar os primeiros passos no CITCEM – Centro de Investigação Transdisciplinar Cultura, Espaço e Memória e não é previsível que fique pronto antes do final de 2018. Contando com o apoio da Faculdade de Letras da Universidade do Porto e da Câmara do Porto, o projecto nasceu de uma proposta da embaixada da Áustria em Portugal e será desenvolvido no âmbito de uma tese de doutoramento em História, ainda que conte também com uma vertente sociológica.

Gaspar Martins Pereira, orientador da tese em História – a doutoranda é Ana Regina Pinho e a vertente sociológica será orientada por Helena Vilaça – explica ao PÚBLICO que estas crianças eram, sobretudo, “meninos pobres, de meios bastante depauperados” e “muitas delas órfãs”. “Pretende-se, com este trabalho, estudar a problemática de acolhimento, da integração e das relações com as famílias de acolhimento, bem como todo o contexto histórico e político em que surgiu – sem esquecer a forma como a vinda destas crianças foi aproveitada, em termos de propaganda, pelo regime salazarista”, diz.

Na apresentação do projecto, explica-se que, apesar de já haver publicações sobre esta matéria – incluindo um livro de recolha de memórias destas crianças – faltam “estudos históricos e sociológicos de maior fôlego, conduzidos com rigor científico, que permitam uma análise aprofundada e contextualizada desse acontecimento sócio-histórico, nas suas diversas vertentes”. A este nível, explica-se, há apenas uma dissertação de mestrado apresentada na Universidade de Salzburgo (Áustria), mas que se debruça apenas sobre onze destas crianças e sem pesquisa realizada em Portugal.

Apesar de ressalvar que “não se devem fazer comparações anacrónicas” entre a situação vivida pelas crianças austríacas no pós-guerra e a actual vaga de refugiados que procura acolhimento na Europa, Gaspar Martins Pereira lembra que “as questões como a capacidade de acolhimento do estrangeiro são problemáticas importantes” para as quais, em circunstâncias muito diferentes, continuamos a olhar ainda hoje.

A vida das “Crianças Cáritas” em Portugal foi objecto da iniciativa “Acção Crianças Cáritas Portugal”, que deu origem a uma exposição que esteve no Centro Cultural de Belém em 2013. E em 2005, a Assírio & Alvim publicou Um Laço de Amizade entre Portugal e a Áustria, com testemunhos de vários meninos que tinham sido temporariamente acolhidos por cá. Agora, a equipa do CITCEM espera ir mais longe e traçar um retrato abrangente desta realidade, que analisará todo o contexto histórico e sociológico, sem deixar de lado “o papel-chave” da rede das instituições religiosas que participaram no processo.

O projecto, previsto para mais de três anos, irá sendo desenvolvido e apresentado em conferências e workshops durante esse período. Na próxima terça-feira, a Câmara do Porto deverá aprovar a atribuição de um apoio superior a 43.500 euros, a atribuir faseadamente, a este trabalho.

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