Não deixem que as empresas estatais chinesas comprem a Europa

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Os investidores chineses têm uma forte atracção pelas empresas da União Europeia e os seus alvos são cada vez mais high-profile. Recentemente, eles manifestaram interesse num complexo imobiliário de 18 andares na Potsdamer Platz, em Berlim, e pela produtora de pneus italiana Pirelli. Por uma qualquer insondável razão, a Europa considera os investidores chineses, mesmo que que sejam de empresas estatais, mais benignos do que, diga-se, os russos.

Até 2011, a China era, principalmente, um destino para o investimento europeu, mas, depois, a crise da dívida fez desvalorizar o preço dos activos na Europa. Alguns governos foram obrigados a avançar com privatizações e algumas veneráveis companhias tornaram-se menos exigentes em relação a potenciais investidores. Compradores chineses adquiriram a Volvo na Suécia, uma significativa posição de capital na Peugeot-Citroen e a casa de moda Sonya Rikiel, em Franca, o porto do Pireu, na Grécia, a cadeia de restaurantes Pizza Express na Europa e

No ano passado, quando os negócios Peugeot e Pizza Expressa foram concretizados, a actividade chinesa de fusões e aquisições na Europa atingiu um novo recorde. Apesar de o investimento chinês nos Estados Unidos também ter crescido, superando mesmo os fluxos de capital para a China, a Europa mostrou-se mais apetecível.

A China controla apenas 1% do stock de investimento estrangeiro na Europa, o que não é suficiente para gerar preocupação. Mas isto não inclui outras vias de participação como as que estão a acontecer no sector imobiliário em Portugal e na Lituânia, através dos programas de vistos gold.A Europa é relativamente barata, é aberta e tem aquilo que as companhias chinesas procuram: tecnologia e tradição familiar.

O negócio da Pirelli é o mais recente. Quem subscreve a oferta, a China National Tire & Rubber Company, parte do gigante estatal ChemChina, vende 20 milhões de pneus por ano, mas nunca ninguém ouviu falar das suas marcas: Rubber Six e Aeolus. Ela não tem a gloriosa história da Pirelli nas corridas de automóveis nem o seu famoso calendário. A companhia italiana parece sobreavaliada, estando a ser transaccionada a 23 vezes os seus ganhos, contra 16 vezes no caso da Michelin e 11 no da Korea’s Kumbo. No entanto, ela dispõe da quinta mais valiosa marca de pneus a nível mundial e as outras duas marcas europeias nas cinco maiores, a Michelin e a Continental, pertencem a companhias muito maiores que dificilmente serão alvo de tentativa de aquisição.

Para um comprador ambicioso, cheio de dinheiro e com capacidade produtiva, a Pirelli é o negócio certo. A sua capitalização bolsista é de apenas 7200 milhões de euros (muito pouco, comparado com a facturação da ChemChina no ano passado, cerca de 37 mil milhões de euros) e o seu nome pode atirar o gigante chinês dos pneus para um lugar de projecção mundial. É um pouco como aconteceu quando a chinesa Geely comprou a Volvo, não apenas pela tecnologia da companhia sueca, mas também pelo seu reconhecimento internacional.

Apesar de o mercado ter torcido o nariz à primeira proposta de preço da ChemChina, será preciso ir muito mais longe para que a Pirelli se torna demasiado cara para aquilo que é, na base, um braço do governo chinês.

No entanto, há um problema.

A maioria do investimento chinês na Europa vai para firmas já existentes. Não há projectos de raiz. Não há nada de errado no facto de companhias privadas – como a Hony Capital, que comprou a Pizza Express, ou a Geely, que salvou a Volvo – comprarem companhias europeias. Os negócios transfronteiriços são comuns por estes dias. Mas quando velhas marcas europeias caem nas mãos de companhias estatais chinesas, o caso vira geopolítico, também: os países europeus estão, para todos os efeitos, a ceder parte da sua herança para o polvo que é o governo chinês poder expandir a sua influência mundial.

“De momento, o investimento chinês pode parecer caído do céu, mas isso pode mudar… para um cavalo de Tróia que irá introduzir as políticas e os valores chineses no coração da Europa”, escreveu, no ano passado, Sophie Meunier, professora na Universidade de Princeton.

Os europeus que querem investir na China são obrigados a constituir joint-ventures com parceiros chineses e outras restrições aplicam-se a indústrias específicas. A União Europeia está a negociar um regime mais aberto, mas a Europa continua em desvantagem. Não se trata de uma questão de reciprocidade. A abertura do investimento a empresas estatais chinesas significa apoio a um regime que não é propriamente amigo da Europa e que não partilha os seus valores. Não é melhor do que abrir os mercados europeus às companhias estatais russas como a Rosneft e a Gazprom. Alegremente, eles irão comprar tudo o que puderem, nem que seja apenas para reforçar o peso negocial de Moscovo perante a União Europeia.

Neste momento, os governos europeus têm uma posição de grande cautela em relação aos investimentos russos, mesmo que tenham origem privada. O Reino Unido está a forçar a LetterOne, do milionário Mikhail Fridman, a vender plataformas de produção de petróleo no mar do Norte que comprou com a energética alemã Dea. Não está claro o que torna aas estatais Dongfeng Motor ou a ChemChina mais aceitáveis.

A Europa precisa de uma política coerente na área do investimento directo estrangeiro, impondo orientações claras sobre o que é permitido, que investidores são benvindos e os que não são. Porque não impor que as companhias estatais apenas podem colocar dinheiro em projectos de raiz? Faria todo o sentido.

Seria também natural exigir às companhias estatais estrangeiras que cooperassem com parceiros locais e que assumem posições de não controlo, deixando mais margem para os operadores privados. Na China, claro, até as companhias privadas podem servir como instrumentos para as políticas governamentais. Mas elas são,  ao fim e ao cabo, agentes do mercado que merecem iguais oportunidades para competir.

Jornalista e escritor, fundador do Vedomosti, diário russo de economia - Bloomberg News

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