O relato da "liderança relutante" da Alemanha segundo o embaixador de Portugal
Luís de Almeida Sampaio esteve no Instituto Adelino Amaro da Costa para falar da "Alemanha na crise europeia".
Luís de Almeida Sampaio foi um dos obreiros da polémica viagem da ministra das Finanças a Berlim, numa altura em que a Europa estava de olhos postos na Grécia. Juntamente com a Fundação Bertelsmann, o embaixador português na capital germânica organizou uma conferência sobre a crise europeia, que se tornou nota de rodapé no turbilhão de críticas que se seguiram à passagem por Berlim de Maria Luís Albuquerque na véspera do Conselho Europeu que decidiu o que fazer com o novo Governo grego.
Ontem, foi o turbilhão grego que se limitou a nota de rodapé no debate realizado no Instituto Adelino Amaro da Costa que chamou o embaixador para falar da “Alemanha na actual crise europeia”.
Foi a oportunidade para Luís de Almeida Sampaio levantar o véu sobre a potência regional que agora lidera os destinos da Europa. Em vez de imponentes teutónicos satisfeitos com a imposição das suas políticas financeiras a uma União em crise, o retrato que apresentou foi a de um país “desconfortável” com o seu poder. “A liderança alemã é uma liderança relutante”, disse o embaixador perante a pequena audiência de embaixadores e políticos presentes. Uma liderança a que não aspiravam, assegurava Sampaio, e que estava permeada do que apelidou do “síndrome do Homem-Aranha: com mais poder vem mais responsabilidade”.
A razão para essa relutância, que parecia estranha no país que é o motor da economia europeia, foi só em parte explicada pelo embaixador. O poder atraía “mais antagonismos e mais críticas” que a Alemanha e os seus líderes abominavam devido à sua outra “característica” intrínseca. “Nada é feito na Alemanha sem a busca incessante do consenso”, destacava Sampaio. O embaixador fez questão de notar a “grande preocupação” pelo enfraquecimento da influência francesa na União Europeia. “Há um suspiro de alívio em Berlim sempre que boas notícias chegam de Paris”, asseverava o diplomata.
E havia ainda o empenho no “destino europeu”. Perante uma pergunta da audiência a propósito da Rússia, Sampaio assegurou que, apesar do “respeito” que tinha pelo vizinho, a Alemanha escolheria sempre a União: “O coração alemão bate pela Europa.”
A imagem da hegemonia benévola alemã continuou com a explanação da “percepção que os alemães têm dos portugueses”. Em vez da caricatura da cigarra mediterrânica, Sampaio garantia ter encontrado – nos mais de dois anos de Berlim – a ideia de um país “capaz de vencer as dificuldades”. “Para eles, não temos muitas das ‘virtudes’ dos mediterrânicos”, afirmava. “Sóbrios, sérios e com uma história” de séculos carregada de exemplos de superação das dificuldades.
E, contudo, foi o seu silêncio a outra pergunta que beliscou essa ideia da liderança benevolente. De uma das mesas veio a dúvida sobre se a “Alemanha estava disposta a pagar” a manutenção da Grécia no Euro. A ideia da estabilidade hegemónica, exercida pelos EUA desde o final da II Grande Guerra, esteve também associada à disponibilidade dos Estados Unidos em pagar o preço pela sua liderança no Ocidente. Sobre se a Alemanha estava disposta a pagar o preço pela sua liderança, o nosso homem em Berlim ficou em silêncio. E não ar ficou a dúvida sobre se a relutância alemã não era, precisamente, a de pagar o preço da sua liderança.